A Defensoria Pública do Estado do Piauí, por intermédio da Comissão de Defensoras e Defensores Públicos, instituída por força da Portaria GDPG nº 1.102/2023, de 15 de dezembro de 2023, composta pelos membros Débora Cunha Vieira Cardoso, Gerson Henrique Silva Sousa, Sarah Vieira Miranda, Daniela Neves Bona, Afonso Lima da Cruz Junior e Igor Castelo Branco de Sampaio, sob a presidência da primeira, impetraram Ação Civil Pública (Processo nº 0802858-26.2025.8.18.0031) contra o Município de Parnaíba em favor das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade institucionalizados na Casa de Acolhimento Infanto Juvenil de Parnaíba (CAIP), estabelecimento público municipal, sem personalidade jurídica, mantido pela Prefeitura Municipal de Parnaíba e vinculado à SEDESC (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania).
A Ação foi resultado de Procedimento Preparatório para a Propositura de Ações Coletivas – PROPAC nº PP000002/2024, resultante da instauração de Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (PADAC). O procedimento administrativo interno da Autora foi iniciado para apurar denúncias que sugerem graves violações de direitos das crianças e adolescentes acolhidos na CAIP, tais como ameaças e maus-tratos.
A Comissão de Defensoras e Defensores Públicos vêm realizando inspeções e audiências extrajudiciais, tendo encontrado problemas como períodos de superlotação, ausência de capacitação dos profissionais e falhas no controle de ponto; crianças/adolescentes acolhidos há mais de 04 (quatro) anos, sem progresso para desinstitucionalização. Além disso, foi constatado que a instituição funcionava de modo precário, em descumprimento ao que rege os ditames legais previstos nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Ausência de Plano Político Pedagógico, PIAS e Relatórios desatualizados, falta de Laudo da vigilância sanitária e do Corpo de bombeiros, ausência de controle das doações e estoque de alimentos, falta de alimentos e oferecimento de alimentos vencidos aos acolhidos, bem como o consumo de água não potável. A Casa também funciona com estrutura física incompatível com a de uma residência, já que se trata de uma Escola que foi adaptada para funcionar como instituição de Acolhimento.
Nas inspeções que se seguiram, notadamente na inspeção realizada em fevereiro/2025, a Defensoria Pública constatou que a Casa permanece em estado insalubre, higiene extremamente deficitária, ambiente contaminado com água de fossa e caixa de gordura, ausência de itens de limpeza e de higiene pessoal, alimentos insuficientes e inadequados, crianças sem encaminhamento para atendimento médico e sem fisioterapia, ausência de individualização de roupas, não observância de protocolos em caso de surtos psiquiátricos, pouquíssimos cuidadores e funcionários de serviço geral, ausência de capacitação do corpo de servidores/colaboradores/terceirizados. Além disso, itens decorrentes de segurança e acessibilidade restam inobservados conforme atestado pelo Corpo de Bombeiros e por Engenheiro Perito que foram instados durante o procedimento, o que gerou o pedido de liminar pela Defensoria Pública requerendo a interdição do prédio, com o imediato deslocamento dos acolhidos para a rede hoteleira ou outro local em condições de salubridade, segurança e acessibilidade, obedecidas todas as normas legais supramencionadas e disposições regulamentares.
A Defensoria requereu ainda a nomeação de interventor judicial, para garantir a adequada gestão e funcionamento da unidade de acolhimento para que cessem imediatamente as violações encontradas.
Para a defensora pública Débora Cunha Vieira Cardoso, presidente da Comissão “Foram feitas 4 inspeções na Casa de Acolhimento Infantojuvenil de Parnaíba e 2 reuniões extrajudiciais com os representantes do Município, mas não ocorreram melhorias substanciais. Presenciamos situações estarrecedoras, como falta de alimentação e de água potável para o consumo das crianças. Recebemos denúncias anônimas de ex-servidores que relataram que as crianças com deficiência não recebem os tratamentos médicos adequados, é comum que tenham episódios de surto sem que haja um protocolo para tais situações. Inúmeras vezes são os próprios cuidadores que precisam se cotizar para comprar alimentos e produtos de higiene básica. Na última inspeção, vimos esgoto à céu aberto e muita sujeira. Uma das denunciantes relatou que a brinquedoteca fica fechada, e só é autorizada a abertura quando prevista alguma fiscalização dos órgãos públicos”.
Para a defensora Pública Sarah Miranda, o Município é obrigado a prestar serviço assistencial de altíssima complexidade, como é o serviço de acolhimento institucional, de forma a observar a legislação pertinente. Os serviços devem garantir dignidade, salubridade, segurança, habitabilidade, alimentação adequada e nutritiva, acesso a serviços médicos, dentre outros, que restaram inobservados no presente caso. Cabe à Defensoria Pública o papel constitucional de promover os direitos da criança e do adolescente, inclusive protegendo-as de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito, até mesmo de violência institucional. A situação encontrada nas inspeções revelam sua gravidade, corroborado tudo isso com inúmeros depoimentos e vídeos que foram fornecidos pelos denunciantes, além de relatório do Conselho Tutelar que confirma a gravidade do caso. Assim, não restou outra alternativa que não o ajuizamento da ação de forma que o poder Judiciário possa fazer cessar imediatamente as violações encontradas e salvaguardar os direitos dos acolhidos”.
Para a defensora pública titular da 1ª Defensoria Pública da Infância e Juventude de Teresina, Daniela Neves Bona, “Ao longo desse período de inspeções, apesar de todas as notificações e concessões de prazos para a adequação da estrutura física e capacitação adequada dos profissionais da instituição inspecionada, pudemos constatar que as melhorias necessárias e urgentes não foram atendidas, ao revés, na última inspeção realizada em fevereiro de 2025 a situação encontrava-se bem pior, não restando outra alternativa que não a judicialização da demanda com o objetivo de salvaguardar os interesses das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Assim, esperamos que através do Poder Judiciário possamos efetivar os direitos daqueles que estão sendo diretamente afetados e punidos duplamente, já que vivem em situação de acolhimento sem a devida garantia do mínimo existencial”.
FONTE: DPE-PI