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Um veto à República

O Imperador Pedro II em viagem ao Ceará comoveu-se com o drama dos flagelados da seca e fez a promessa de que venderia até a última joia da Coroa Imperial se fosse necessário, mas livraria o povo daquele drama. Fez açude e algumas obras para melhorar a vida do sertanejo. Muito tempo depois, na campanha da reeleição, o Presidente Fernando Henrique observou em debate na OAB que Brasília tinha muitos palácios para a Justiça e não se investia em Defensoria Pública.

Após vários anos dessas duas manifestações, sabemos que a Coroa Imperial não perdeu uma única de suas 639 pedras preciosas e 77 pérolas e que foram erguidos vários novos palácios para o Judiciário no “Setor de Tribunais” do DF. Enquanto isso o Brasil ainda ostenta níveis degradantes de exclusão social.

Alterou-se a geografia e manteve-se a história. Construíram-se palácios e as jóias ficaram intocadas, enquanto o povo continua pobre.

A República brasileira tem como um de seus fundamentos a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III). Este é um princípio norteador de toda a atividade política da Nação. Temos assim que isso é uma questão de Estado. O Estado Brasileiro não pode atuar sem ter em vista essa premissa. Quem no-lo diz é a Constituição.

A Defensoria é instituição fundamental nessa perspectiva. Ela é o instrumento de garantia de eficácia de todos os direitos sociais prometidos na Constituição. Ela assegura o Direito aos Direitos. Ela é a garantia libertária dos empobrecidos. Ela produz benefícios, distanciada da demagogia e do assistencialismo, ressaltando o caráter republicano de sua ação, sendo assim construtora da cidadania.

O Parlamento legislou (PLP 114/2012) estabelecendo a dotação orçamentária para a Defensoria Pública. Buscava-se assegurar condições reais de atuação efetiva. Com tramitação nas duas casas, teve passagens por diferentes comissões temáticas onde foram discutidas as diferentes variáveis e consequências da Lei. Em tudo, a participação efetiva do Governo Federal que emitiu notas técnicas do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda aprovando a proposta.

Com responsabilidade, o Projeto previa uma implantação escalonada, de molde a se evitar traumas na gestão econômica. Para se ter uma idéia, ocorreria paulatinamente ao longo de cinco anos. Seria uma implantação “lenta e gradual”, quase tão lenta como a que os militares planejavam para a abertura política.

Garantia-se que a capacidade operacional das finanças estaduais ficava incólume, ao tempo em que se cumpria a decisão política decorrente dos próprios fundamentos da Carta da República.

O Projeto de Lei, por sua finalidade e pelos cuidados com as finanças públicas, mereceu o reconhecimento integral do Parlamento, com o apoio de todos os partidos, vindo a ser aprovado por unanimidade, sendo remetido à sanção Presidencial.

Surge então a voz de Secretários de Fazenda dos Estados e aponta riscos às Fazendas estaduais. Anunciando o caos, solicitam o veto ao texto legal.

Qual crise? Durante toda a tramitação do projeto nenhuma voz acusou consequências desastrosas decorrentes do mesmo. Será que nenhum congressista tem lealdade ao seu Estado? Será que todos se mancomunaram para empurrar uma calamidade econômica às suas bases? Por que nenhum Governo Estadual mobilizou sua representação para apontar os riscos que somente agora perceberam?

Vê-se que se deixou o Congresso trabalhar até o final, sem nenhuma ação, e após isso foi se pedir o veto. É fazer pouco caso da ação do Parlamento.

Para desagradável surpresa de todos, inclusive pelo compromisso histórico do Governo com a causa da Defensoria, ocorreu o veto.

O grande equívoco político que se constitui esse veto foi logo percebido e denunciado pela OAB, que, na pessoa de seu Presidente, Ophir Cavalcante Jr., condenou a medida.

Os Governadores têm responsabilidade com os Estados que administram. Se estão diante de uma crise, é seu dever enfrentá-la e manifestar a sua preocupação.

Nesse caso, os Governadores nem mesmo se dignaram a se reunir e participar à Presidência da República os riscos da medida ou os erros do Projeto. Não se registra qualquer pronunciamento de qualquer Governador reclamando da Lei. A manifestação que se tem (e de última hora) é de Secretários de Fazenda.

Em suma, os auxiliares dos executivos estaduais é que recomendam o veto a uma Lei unanimemente aprovada no Parlamento.

É o desmanche institucional. Os auxiliares de um Poder Estadual manifestam seu desagrado com o texto de Lei aprovada por unanimidade no Congresso Nacional… e o que prevalece é a essa manifestação.

Dia desses o Senador Cristóvam Buarque, em artigo, receava o risco de o Parlamento se tornar inútil. A ação dos Secretários de Fazenda conspira nesse sentido. Tivessem eles respeito à Nação e ao Parlamento, ali teriam comparecido e, na arena política, travado o debate das idéias e demonstrado os eventuais danos da Lei às finanças públicas. Deixaram todos trabalhando inutilmente para ao final chegar-se a uma Lei vetada em sua totalidade.

É isso mesmo, nada na Lei foi aproveitado. Tudo foi desfeito, inclusive o longo trabalho de elaboração e tramitação, para o qual os Secretários, com desdém, fecharam os olhos e viraram as costas. Haverá maior desrespeito ao Parlamento?

No caso desse veto, submeteu-se um princípio do Estado às conveniências de Estados. Quando os princípios cedem às conveniências, algo vai muito mal.

A questão é de Estado e não de Governo, tanto o é que o Parlamento tratou do assunto de modo suprapartidário, atendendo aos comandos fundamentais da Carta Republicana. O veto mais que à Defensoria é à República.

Roberto Freitas Filho – Ex-Presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos

Fonte: Defensor – Roberto Freitas

“O Pré-Sal é nosso”

Como amplamente divulgado, a presidente Dilma Rousseff vetou parcialmente o projeto de lei (PL 2.565/11), que modifica a distribuição dos royalties da exploração do petróleo.

A presidente retirou do texto a parte relativa à repartição dos campos já explorados sob a justificativa de garantir a segurança jurídica de contratos firmados, uma das principais reivindicações de Rio de Janeiro e Espírito Santo, dois dos maiores “produtores” dessa nossa grande riqueza. Os representantes do Governo Federal afirmaram ainda que defendem a aplicação dos recursos em favor da educação.

Na verdade, o que percebemos é que tentam ludibriar a todos sob falsos argumentos jurídicos e políticos, e que se constituem em verdadeiros absurdos, querendo que sirvam como cortina para tentar perpetuar uma injustiça que há anos persiste.

É fato que os contratos são celebrados entre as empresas exploradoras e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) representando a União e não entre quaisquer dos outros entes federativos. Tais contratos não sofreriam qualquer tipo de alteração em vista das mudanças que foram propostas e aprovadas no Congresso Nacional.

As alterações propostas pelo projeto vetado mudavam a forma de distribuição das receitas de royalties entre a União, Estados e Municípios e não os contratos.

Em uma sucinta análise jurídica sobre a defesa do Governo Federal quanto à existência de “direito adquirido” em favor dos entes federativos beneficiados pela regra atual, não há como prosperar o argumento.

De fato uma nova regra na distribuição afetaria as expectativas de receita que têm os Estados e Município confrontantes – e não produtores como querem disseminar – em vista do que já foi licitado, mas como a expressão que grifei está a indicar, é “expectativa”, portanto: “expectativa de direito”, que não goza proteção constitucional dada ao direito adquirido como defendem. Os conceitos são distintos.

A propósito, registra-se que alterações na distribuição já aconteceram outras vezes desde o início da exploração.

Sob o prisma político, também não se sustenta o argumento de que o veto e a MP editada sejam em favor da educação, pois do jeito que foi editada a MP, não significa na prática grandes benefícios à área. Da forma como decidiu o governo federal, o Brasil terá de esperar mais de 10 anos para poder realizar investimentos em educação, já que, o regime de partilha só gerará recursos neste prazo. De acordo com estimativas da ANP, serão cerca de R$ 400 bilhões fora da Educação.

Ouso defender, a par da explícita definição do petróleo explorado no nosso mar como bem pertencente à União, que em face do nosso modelo de Estado, e dos princípios encerrados na nossa Constituição Federal – notadamente os estabelecidos no seu art. 3º – riquezas como as da monta do chamado “pré-sal” são na verdade bens da República.

É assim que devemos tratar o assunto de modo que a divisão e aplicação desses significativos e importantes frutos sejam realizadas no sentido de, nos dizeres do próprio texto constitucional referido, construir uma sociedade justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional de modo a reduzir as desigualdades regionais – e não ampliá-las como ocorre no modelo atual.

Somente assim estaríamos caminhando no sentido do cumprimento dos objetivos republicanos referidos, contribuindo para erradicar a pobreza e a marginalização, promovendo o bem de todos, sem qualquer discriminação.

É necessário que nos mobilizemos, tanto no plano político, em favor da derrubada do veto pelo Congresso Nacional, como no plano jurídico para uma eventual discussão no STF.
Fonte: Arilson Malaquias

Defensoria Pública e o Sistema de Justiça

Você sabe o que é o Sistema de Justiça?

A Constituição Brasileira estabelece como direito fundamental das pessoas o acesso à Justiça. A “Justiça”, nesse sentido, é nada mais que a obrigação do Estado (Poder Público) em dar solução aos conflitos que lhes são apresentados pela sociedade, uma vez que não é dado a ninguém fazer “justiça” com as próprias mãos.

Essa tarefa não se completa com a atuação apenas de uma única instituição das previstas na nossa Constituição, mas de diversas delas: o Judiciário, o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e da Defensoria Pública, formando um sistema dentro do qual atuam esses organismos para que o Estado execute de forma completa essa função, o qual é chamado de “Sistema de Justiça”.

Todas elas são indispensáveis ao funcionamento do sistema, por isso definidas expressamente como “Funções Essenciais à Justiça”.

Ao Judiciário, cabe decidir a quem o direito ampara, fazendo a interpretação e aplicação das normas ao caso concreto, “julgando-o” de forma imparcial. Mas o Judiciário não atua sem a provocação e participação dos outros organismos, sendo inclusive proibido de assim agir. No dizer técnico, não pode “agir de ofício”.

O Ministério Público representa interesse social de uma maneira geral bem como os interesses pertencentes a um número indeterminável de pessoas (como o meio ambiente, por exemplo).

A Advocacia Pública representa os poderes públicos da União e das respectivas unidades federativas (Governos Federal, Estadual, Distrital e Municipal, bem como os órgãos ligados a eles de forma direta).

A Advocacia Privada representa os interesses e direitos das pessoas e demais instituições privadas que possam arcar com o pagamento desses serviços, pois exercidos por profissionais liberais.

Cabe à Defensoria Pública realizar a tarefa de orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos chamados necessitados: aqueles indivíduos e grupos que não podem arcar com as despesas de uma representação privada.

As instituições públicas devem ser pelo Estado aparelhadas. Aos que não dispõem de recursos econômicos cabe também ao Estado garantir as condições de acesso e defesa por intermédio da Defensoria Pública, como forma a garantir o equilíbrio na representação dos que não têm recursos para tanto.

Os que dispõem de recursos econômicos para tanto têm à disposição profissionais com as garantias próprias asseguradas na constituição (advocacia privada).

O Sistema de Justiça é igualitário?

À exceção da Advocacia Privada, todas as demais instituições do “sistema de justiça” devem, por mandamento constitucional, serem organizadas e mantidas pelos poderes públicos. Por lógico, em respeito ao princípio da igualdade, deve ser dispensado pelo poder público tratamento que permita a atuação em igualdade de condições a todas elas.

Infelizmente não é o que acontece.

Justamente a instituição encarregada de garantir à imensa maioria da população, o acesso ao “sistema de justiça” é a que menos recebe atenção dos poderes públicos. Comparando os números da Defensoria Pública com as demais instituições públicas envolvidas no sistema, percebemos a discrepância.

Os levantamentos oficiais mais recentes dão conta de que o número de magistrados e membros do ministério público supera o dobro do número de Defensores Públicos, o que ficou claro no “III Diagnóstico da Defensoria Pública”, realizado no ano de 2009, pelo Ministério da Justiça.

Com relação ao orçamento executados pelas unidades da Federação se observou que, em média, o Poder Judiciário absorve 5,34% dos gastos totais do estado, enquanto o Ministério Público 2,02% e a Defensoria Pública 0,40%, do total de gastos.

No Piauí não é diferente essa a realidade. O número de magistrados e membros do Ministério Público é mais do que o dobro do quadro de Defensores Públicos, que hoje somam apenas 86 em todo o estado.

Em se falando de recursos, a lei orçamentária estadual em execução (2012) estipula apenas pouco mais de R$40 milhões de reais para a Defensoria Pública contra cerca de R$150 milhões previstos para o Ministério Público. Ao Judiciário são previstos para 2012, cerca de R$360 milhões.

E aqui registramos que a ênfase não é ao volume de recursos destinados ao Judiciário e ao Ministério Público, que também não são satisfatórios ao funcionamento dessas importantíssimas instituições, Fazemos a comparação para ilustrar a pequenez do que se destina à representação dos necessitados em um mesmo sistema.

E quem são os prejudicados por essas distorções?

Se o Estado trata de forma desigual tais instituições em desfavor daquela que representa os menos favorecidos economicamente, repita-se à exaustão, a imensa maioria, é claro que isso se dá em prejuízo do próprio acesso à “Justiça” à maioria da população, o que prejudica à sociedade como um todo.
Fonte: Arilson Malaquias

Mediação e Arbitragem

Temerário afirmar, desde quando se iniciou a mediação e a arbitragem entre os homens, sabe-se que tais institutos perdem-se nos escaninhos da história imaginária, inventada, real, bem como nos mais antigos costumes.
Quando o homem, como indivíduo, por instinto de sobrevivência passou a viver em bandos (como a grande maioria dos animais), quer para desfrutar da companhia de outros da mesma espécie, quer para defender-se uns aos outros do meio hostil de então, que os conflitos já existiam. Decerto que nesta oportunidade, não havia mediação e nem tampouco a arbitragem, acredita-se na prevalência do mais forte sobre o mais fraco.
Ao longo (para nós) caminho percorrido pela humanidade, as disputas e os conflitos foram sendo resolvidos das mais diferentes formas, desde decisões impostas pelos curandeiros e feiticeiros, que liam suas sentenças e desígnios nas vísceras de animais, em fatos naturais (chuva, relâmpago, raios ou trovoadas, secas, etc), atribuindo tais ocorrências a virtudes ou culpas, de grupos ou de indivíduo isoladamente.
Depois, quando determinados grupos criavam conselhos grupais, via de regra integrado pelos mais velhos e experientes, ou dotados de alguma característica excepcional para o padrão da época, tais conselhos impunham suas decisões, quer para um indivíduo isoladamente, quer para todo o grupo.
Quando a coletividade organizou-se de uma forma mais complexa, advindo o ESTADO poder (pequenos grupamentos, vilas, etc), este ESTADO avocou para si o direito de julgar e de punir. Embora considerado como um marco considerável nas relações humanas, ainda assim a mediação e arbitragem, acredita-se, ainda não existiam.
Com o advento das nações, seguido da sempre e obrigatória e necessária, relações comerciais entre os povos, povos estes não só de línguas e costumes diferentes, mas e principalmente, regidos por formas diferentes de leis e normas, quer escritas ou não, surgiu o conflito e com o conflito a necessidade de mediá-los, pois a força e a lei de um povo ou nação, não servia para dirimir os conflitos de povos e nações diferentes.
A princípio as normas de comércio sequer escritas, serviram de parâmetro para dirimir as primeiras mediações, escolhidos para mediá-los pessoas comuns ou não, que nem sempre conseguiam chegar a bom termo. Portanto, a necessidade de uma decisão, por pessoa que não representasse obrigatoriamente um povo ou outro, um ESTADO ou OUTRO, surgindo então os arbitradores, cujas decisões, via de regra, não detinham o poder de império, o poder de prevalecer sobre a vontade das partes, necessitando, ainda, na maioria dos casos da tutela estatal, devendo tal laudo arbitral ser homologado.
O Código Comercial Brasileiro, a lei mais antiga a vigir em nosso meio, traz no seu art. 95, que “Em todos os casos em que forem obrigados a pagar às partes falta de efeitos, ou de quaisquer outros prejuízos, a avaliação será feita por arbitradores”. O Código não faz menção de como tais arbitradores eram nomeados.
Após tal menção legal, somente se tem conhecimento de voltar ao assunto com o advento da Lei nº.9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, como é apresentada formalmente, havendo outros institutos legais, de forma quase que genérica, apontando-a como possível e passível de solução de conflitos (Código de Defesa do Consumidor, sistema Financeiro Imobiliário, Transporte Multimodal, etc).
Quando em determinada ocasião, a frase pronunciada “a pena de morte foi um grande referencial na evolução da sociedade”, os que a ouviram ficaram estarrecidos, pois quem a pronunciara era a Juiza Federal no Estado do Rio de Janeiro Denise Frochard, conhecida e reconhecida pela seu vasto conhecimento jurídico e correição nos seus procedimentos.
Quando pela mesma foi acrescentado que tal pena, fora o início do ESTADO como único ente real, legal e empossado no direito de fazer justiça, desaparecendo no véu do tempo a Lei de Talião e muitas outras. Mas na sociedade moderna e globalizada, o ESTADO já não mais cumpre seu papel, tão grande é o número de demandas que lhe são apresentadas e tão emaranhado é o cabedal de leis, regulamentos, etc. etc., tornando infinita a duração de um conflito.
Retornando ao princípio, onde se acredita que a mediação e a arbitragem surgiram da relações de comércio, vital é salientar, que mesmo havendo um ou vários conflitos de interesses, nem sempre ou quase nunca, o interesse maior, o objetivo central é o fim e término das relações de comércio, o que na verdade se quer, o real objetivo, é que seja solucionado o conflito e que as relações prossigam e durem. Daí não restava senão outro caminho senão a mediação e a arbitragem.
Para dar maior garantia e estabilidade nas relações comerciais, principalmente as internacionais, uma vez que as nações possuíam organismos legais estatais próprios para dirimir os conflitos internos, é que foram firmados diversos compromissos internacionais, citando-se dentre eles:
Protocolo de Genebra – 1.923
Convenção de Nova York – 1958 – Ratificada p/Dec.4.311/2002
Convenção Interamericana do Panamá – 1975 – Ratificada em 1995
Embora tais compromissos e acordos internacionais, tenham sido ratificados no Brasil, somente com o advento da Lei nº.9.307 de 22/11/1996, é que finalmente a ARBITRAGEM ganhou autonomia efetiva, onde ficava perfeitamente delineado e delimitado o poder atribuído ao ÁRBITRO e ao
JUIZ ESTATAL.
Descer a comentários técnicos sobre a lei em si em nada contribuirá ao presente raciocínio, mas decerto que se faz necessário, alongar sobre alguns aspectos, do que pode ser arbitrado, quem poderá efetuar tal arbitramento, quais são os limites da arbitragem.
O princípio geral da arbitragem traz que todo e qualquer direito disponível poderá ser submetido à arbitragem, desde que seus titulares sejam capazes na forma da legislação civil.
Qualquer pessoa capaz poderá ser o árbitro, desde que escolhido livremente pelos titulares dos direitos disponíveis, podendo ainda ser pessoas vinculadas a entidades arbitrais, desde que esta seja escolhida pelas partes.
Os limites da arbitragem, são àqueles impostos nas regras apontadas pelas partes diretamente, ou indiretamente quando escolhem entidades arbitrais, não podendo em nenhuma hipótese ultrapassar e nem tampouco se sobrepor à vontade das partes, às leis e aos bons costumes.
A Lei de Arbitragem ao consagrar finalmente tal instrumento em nosso país, deixando de ser submissa ao poder estatal, não mais necessitando a arbitragem nacional ser submetida à homologação estatal, desde que preenchida as formalidades devidas.
A legislação ora existente, embora aparentemente curta é bastante precisa e explicita de forma clara, como e onde deve ser aplicada a arbitragem, os seus limites e a sua independência do poder estatal, as necessidades básicas e devidas para sua efetiva funcionalidade, bem como a obrigatoriedade de requisitos essenciais da sentença arbitral, oportunizando não só a solução do conflito, mas a continuidade da relação entre as partes envolvidas no mesmo.
Por ser via de regra, instância única e sem capacidade de interposição de recurso, necessita basicamente para sua real aplicabilidade e aceitação, de uma mudança cultural implantada em todos os países latinos, que ao se aproximarem mais do direito romano em detrimento ao chamado direito saxônico, enquanto estes buscam de toda a forma dirimirem seus conflitos fora da seara estatal, àqueles tudo levam para a seara estatal.
Célebre é a frase do camponês, que ao recusar vender seu sítio ao Imperador da Alemanha, que tentou usar de sua posição para impor a sua vontade, afirmou: ainda existem juízes em Berlim !.
Quando de forma efetiva e prática, a mudança cultural nos mostrar que a seara estatal não é o melhor local para solução de conflitos, mas sim o local ideal para suas prorrogação infinda e o término imediato das relações entre os titulares de direitos disponíveis, aí sim poderá se afirmar que se passou para a fase adulta da arbitragem.

Fonte: Autor – Reginaldo Correia More

A sociedade dentro da Defensoria Pública: a figura do “Ouvidor-Geral Externo”

Completou recentemente um ano de vigência, a Lei Complementar 32/2009, que alterou significativamente a Lei Complementar n. 80/1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública).

É destaque, como ponto estrutural da nova redação da nossa Lei Orgânica Nacional, a simetrização do processo de estruturação das Defensorias dos Estados, com adoção de normas gerais de organização, dotando-as, todas elas, de instrumentos que irão garantir, dentre outros avanços, gestão democrática, atuação descentralizada e mais próxima da população, ampliação da competência do Defensor Público para além das já existentes, além, é claro, do importante reforço às prerrogativas e garantias que possibilitarão aos Defensores atenderem mais e melhor à clientela que busca os serviços dessa essencial Instituição.

Gostaríamos aqui, no entanto, de destacar uma importante inovação trazida pela “nova lei”, que veio de forma inédita, considerando as demais careiras jurídicas de Estado, a instituir a figura “Ouvidor-Geral Externo”.

O fazemos em razão de que recentemente o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Piauí, atendendo à inovação legal referida, em reunião do dia 03 de novembro deste ano, aprovou Resolução que disciplina sobre o processo de escolha do Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado do Piauí.

É bem verdade que a nossa Defensoria do Piauí já havia criado a função de Ouvidor-Geral antes da edição da “novel redação”, como a exemplo de outros estados.  Mas, o fato de agora a função só poder ser exercida por “não integrantes da carreira” de Defensor Público, é que a torna revolucionária, transformando a Defensoria Pública na mais democrática dentre as chamadas Funções Essenciais à Justiça (que inclui, além da Defensoria, a Advocacia Privada, a Advocacia Pública e o Ministério Público).

A propósito, nem no Poder Judiciário, nem no Executivo e nem no Legislativo existe uma figura semelhante (embora existam Ouvidorias em cada órgão), com “mandato”, assento junto à administração superior da Instituição, e cuja escolha do titular não é discricionária, mas se dá dentre os nomes indicados “pela sociedade civil” em lista tríplice.

Não podemos deixar de destacar também, que face ao ineditismo do instituto, há quem levante o temor de que haja uma “politização” da atuação da Defensoria Pública. Esse risco, ainda que possa existir, é minimizado com a conferência às próprias intuições, através de seus Conselhos Superiores, da competência para “editar as normas regulamentando a forma de elaboração da lista tríplice”, o que o fez agora da Defensoria do nosso Estado.

Também podemos ponderar que, ainda que haja risco de desvirtuação do instituto, esse temor não supera os benefícios que, certamente, advirão com a participação efetiva da sociedade civil, no processo de aprimoramento da qualidade dos serviços prestados pela Instituição.

Penso, inclusive, que devamos nos utilizar dessa maior participação dos diversos organismos da sociedade civil “dentro” da DPE, para buscar um maior apoio desses organismos representativos da população, no sentido de encampar a luta da instituição pelo seu fortalecimento, inclusive na, insistentemente destacada por nós, necessidade de efetivação da nossa autonomia e da adoção de política de Estado permanente para nossa instituição.

Acho, portanto, que devemos encarar esse instituto como mais um mecanismo de inserção na sociedade que pode nos trazer apoio para o engrandecimento e fortalecimento da Defensoria Pública.
Fonte: Arilson P. Malaquias

A estagnação do subsídio dos defensores públicos do Piauí

O subsídio dos Defensores Públicos do Piauí, teve na Lei Ordinária Estadual nº 5.505, de 26 de outubro de 2005, além de seu implemento, a adoção de uma valorização remuneratória progressiva e cronológica, com a adoção de uma tabela para aplicação nos anos de 2005, 2006 e 2007 (vide anexo da referida lei).

Tal política se deu no âmbito de discussão da valorização da carreira tendo em vista sua natureza e importância, bem como a reparação de uma desigualdade intolerável com outras carreiras integrantes do sistema de justiça, cuja paridade decorre de mandamento constitucional.

Esse contexto de discussão da valorização da carreira, com o consectário remuneratório, se dá em âmbito nacional, inclusive com a tramitação no Congresso Nacional de PEC nesse sentido (PEC 465/2010), sendo que em alguns Estados, já há a conquista em lei da fixação do teto Constitucional como parâmetro para o subsídio do cargo de último nível da carreira.

No entanto, no nosso Estado, a partir de 2007 houve um estancamento dessa política, sendo que outras carreiras tiveram seus subsídios revistos em leis próprias, inclusive com efeitos retroativos.

A APIDEP e o Conselho Superior da Defensoria Pública do Piauí chegaram a discutir o assunto do que resultou o envio ao Executivo no início deste ano de proposta de mensagem de lei para a fixação uma nova tabela de subsídio, de forma a minimizar essas distorções.

No entanto, até a presente data não houve qualquer resposta ou iniciativa por parte do Governo, que também não deu resposta positiva a outros pleitos da categoria, a exemplo da nomeação de candidatos aprovados em concurso público.

Estamos colocando na pauta de discussão da Associação a rediscussão com as instâncias de poder do Estado dessa temática, aguardando o fim do processo eleitoral para os devidos encaminhamentos político-institucionais.

Fonte: Arilson Malaquias

Contra a privatização do acesso à Justiça

 Uma das principais conquistas sociais nos Estados De­­mocráticos é a constitucionalização do direito de acesso à Justiça, com o correlato dever do poder público de prestar as­­sistência jurídica integral e gratuita àqueles que não puderem pagar honorários de advogado e custas judiciais. Afinal, como bem ressaltou Nabuco de Araújo, de nada adianta ter direitos se não for possível exercitá-los.

A Constituição brasileira consagra normas das mais avançadas do mundo ao estabelecer que o Estado prestará assistência jurídica aos necessitados através de uma instituição especificamente criada para esse fim: a Defensoria Pública. Porém, até hoje três estados ainda não cumpriram a determinação constitucional de criá-la: Paraná, Santa Catarina e Goiás.

Nesses três estados, a sociedade civil reclama pela imediata instalação da Defensoria Pública, para que a grande maioria da população, que não tem condições de pagar advogado, possa ter seus direitos adequadamente defendidos.

O governo do estado do Paraná, no entanto, acaba de anunciar a celebração de um convênio com a OAB-PR e o Tribunal de Justiça para contratação de advogados, sem concurso público ou qualquer forma de seleção, para prestarem assistência jurídica às pessoas carentes.

Trata-se, na verdade, de flagrante descumprimento da Constituição e uma tentativa de privatização da Defensoria Pública, criando “empregos” sem concurso para advogados em todo o estado.

Por que os recursos destinados a esse convênio não são utilizados para finalmente criar e estruturar a Defensoria Pública, como manda a Constituição? A quem mais interessa esse tipo de convênio?

Com experiência e autoridade, o ministro Cezar Peluso, na primeira entrevista concedida após sua recente eleição para a presidência do Supremo Tribunal Federal, afirmou que “o rico pode contratar um advogado extremamente competente. O pobre tem de se contentar, quando há, com o advogado dativo, que muitas vezes trabalha para empurrar os casos com a barriga. A Constituição criou as defensorias públicas, mas os governadores não as criam (…). A função do presidente do CNJ é abrir a boca e dizer que as defensorias públicas são im­­portantíssimas e não podem continuar como estão”.

A população carente tem direito constitucional de ser assistida por defensores públicos, profissionais concursados e investidos de garantias, prerrogativas, deveres, proibições, impedimentos e responsabilidades funcionais que conferem ao defensor público independência funcional, característica indispensável à missão pública de pres­­tar assistência jurídica às pessoas carentes. Além disso, a De­­fensoria Pública é uma instituição e seus profissionais trabalham de forma conjunta e coordenada, visando sempre ao melhor interesse de seus assistidos e sempre buscando as vias mais rápidas e eficientes para a solução de seus problemas.

Já o ultrapassado modelo de convênio sempre foi marcado pelo estimulo à litigiosidade judicial, uma vez que os advogados ganham por ato judicial praticado. Para dar exemplo de um estado próximo ao Paraná, pode-se citar São Paulo, que criou sua Defensoria Pública em 2006. Estudos demonstravam que o modelo de convênio adotado anteriormente era muito mais oneroso que a manutenção de uma Defensoria Pública organizada e bem estruturada, pois os processos conduzidos por advogados dativos eram mais caros e demoravam muito mais para serem resolvidos. Em quatro anos de existência, a Defensoria Pública de São Paulo é reconhecida pela excelência de seus serviços, especialmente pela resolução de muitos problemas de forma coletiva e sem a necessidade de ajuizamento de ações judiciais. Isso significa redução de custos para o estado e agilidade para o cidadão.

O convênio celebrado entre o governo do Paraná e a OAB representa um lamentável retrocesso em relação às conquistas da Constituição e à garantia do direito fundamental de acesso à Justiça. Não se questiona a boa vontade dos governantes, mas seguramente a solução encontrada destoa dos mandamentos constitucionais e do interesse público. Trata-se, em verdade, de privatização dos serviços públicos de assistência jurídica.

As políticas voltadas para a promoção do acesso à justiça devem, por força constitucional, passar pela criação da Defensoria Pública, respeitando os princípios da eficiência e moralidade administrativa, de modo que os recursos públicos sejam geridos com eficiência e atendendo cada vez melhor à população necessitada.

Fonte: André Castro – Pres. da ANADEP

O valor da relação do co-réu como meio de prova

A delação se dá quando uma pessoa profere acusação a outra a respeito da prática de infração penal, em geral traindo-lhe a confiança obtida por meio de laços de amizade, parentesco, vínculo empregatício entre outros. É, em regra, um produto de um sentimento sórdido (ódio, vingança), mas pode ocorrer, no caso de co-réu, visando-se uma benesse legal, como a minoração de eventual reprimenda penal ou mesmo a perda do direito de punir Estatal.
Trata-se, na verdade, de um meio de prova anômalo. Não é testemunho, pois como testemunhante só pode servir aquelas pessoas eqüidistante das partes e sem interesse na solução da demanda, o que não acontece com o delator, especialmente quando também é réu.

É, nessa hipótese, realmente uma prova anômala, totalmente irregular, pois viola o princípio do contraditório, uma das bases estruturantes do processo penal. Como a acusação surge, a rigor, no interrogatório em juízo, sem a presença do delatado e de seu defensor, ou na ouvida policial, igualmente sem essa presença de ambos, deixa de existir o contraditório, pois o atingido nada pode perguntar ou reperguntar.

MITTERMAYER renegou força condenatória à delação, afirmando expressamente que: “O depoimento do cúmplice apresenta graves dificuldades. Têm-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições.” (in, Tratado das Provas em Direito Criminal, p. 295-6).

Os nossos tribunais tem imposto restrições a tal meio de prova. Vejamos:

“A incriminação feita pelo co-réu, escoteira nos autos, não pode ser tida como prova bastante para alicerçar sentença condenatória.” (Ver. Crim. 103.544, TACrimSP, Rel. Octavio Roggiero).

“Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de co-réu para suporte de um ‘veredictum’ condenatório, porque seria instituir-se a insegurança no julgamento criminal, com possibilidade de erros judiciários.” (Rev. Crim. 11.910, TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410:316).

“Se as declarações dos réus não bastam, sequer, para auto-acusarem-se, muito menos servirão, por si só, para enredar a outrem, imputando-lhe a prática de infração penal.” (Acrim. 102.516, TACrimSP, Rel. Goulart Sobrinho).

Sobre esse tema, o Desembargador ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, com propriedade, acentua que: “Temos para nós que a chamada do co-réu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base para uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório. Diz o art. 153, § 6.º da Constituição Federal, que a ‘instrução criminal será contraditória.’ Ora, se ao atingido pela delação não é possível interferir no interrogatório do acusador, fazendo perguntas ou reperguntas que poderão levar a verdade ou ao desmascaramento, onde estará sendo obedecido o princípio do contraditório? Se as partes, o acusado e seu defensor, obrigatoriamente devem estar presentes nos depoimentos prestados pelo ofendido e pelas testemunhas, podendo perguntar e reperguntar, sob pena de nulidade por violar o princípio constitucional do contraditório, como dar valor pleno à delação, quando no interrogatório e na ouvida só o juiz ou a autoridade policial podem perguntar? No nosso modesto entender não vale como prova incriminatória.” (in, Da Prova no Processo Penal, ed. Saraiva, p. 76).

Esse entendimento tem feito eco no âmbito do Excelso Pretório. No julgamento do Hábeas Corpus n.º 84.517-7-SP, relatado do então Ministro do STF Sepúlveda Pertence, restou pacificado que:

“II – A chamada de co-réu, ainda que formalizada em Juízo, é inadmissível para lastrear a condenação (Precedentes: HHCC 74.368, Pleno, DJ 28.11.97; 81.172, 1.ª T, DJ 07.3.03). Insuficiência dos elementos restantes para fundamentar a condenação.”

No seu judicioso voto, o então decano da Suprema Corte Brasileira mencionou nesse aresto que: “(…) não se trata somente de uma fonte de prova particularmente suspeitosa (o que, dado o princípio da livre convicção do juiz seria insuficiente para justificar a regra cogitada), mas de um ato que, provindo do acusado, não se pode, nem mesmo para certos efeitos, fingir que provenha de uma testemunha. O acusado, não apenas não jura, mas pode até mentir impunemente em sua defesa (…) e, portanto, suas declarações, quaisquer que sejam, não se podem assimilar ao testemunho, privadas como estão das garantias mais elementares desse meio de prova.” E mais adiante disse que: “O conteúdo do interrogatório, que não é testemunho com respeito ao interrogado, tampouco pode vir a sê-lo a respeito dos demais, porque seus caracteres seguem sempre os mesmos. O que se designa como chamada de co-réu não é mais que uma confissão, que além de o ser do fato próprio, o é do fato alheio, e conserva os caracteres e a força probatória dos indícios e não do testemunho.” Tudo para concluir que: “Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode testemunhar nem a favor nem contra o outro, já que suas declarações mantém sempre o caráter de `interrogatório´, de tal modo que seria nula a sentença que tomasse tais declarações como testemunhos.”

E no julgamento do Hábeas Corpus n.º 74.368-4-MG, o mesmo Ministro, que honrou a toga quando ainda em atividade, ressaltou em seu voto que: “(…) Mesmo em juízo, a chamada de co-réu não pode ser prova suficiente para condenação nenhuma, pois evidentemente lhe falta o requisito básico da aquisição sob a garantia do contraditório: é o que resulta da impossibilidade, em nosso direito, de o réu ser questionado pelas partes, incluídos os co-réus que delatou.” E acentuou por fim que: “Prova idônea é apenas, portanto, a obtida sob o fogo cruzado do contraditório ou, quando impossível esta produção contraditória original, ao menos – e é o que sucede, por exemplo, nas perícias sobre vestígios passageiros do fato – quando posteriormente possam ser submetidas à crítica do contraditório das partes. Como acentua Magalhães Gomes Filho, na monografia preciosa que acaba de publicar – o Direito à Prova no Processo Penal, Ed. RT, p. 135 -, o contraditório não é uma qualidade acidental, mas constitui nota essencial do conceito mesmo do processo.”

Recentemente o Colendo Supremo Tribunal Federal voltou a reafirmar esse mesmo entendimento, por ocasião do julgamento do Hábeas Corpus n.º 94.034, ocorrido em data de 13.03.2008, relatado pela Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, onde os Ministros, por unanimidade, anularam a condenação e o processo, desde a fase da instrução, porque fundamentada única e exclusivamente na delação de co-réu.

Nessa mesma esteira o e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem sedimentado o entendimento que:

“A delação do réu que visa eximir-se de sua culpabilidade, prestando depoimentos contraditórios, não corroborados por nenhum outro elemento de prova dos autos, não se presta para sustentar a condenação do co-réu. A absolvição, neste caso, é medida que se impõe.” (Ap. Criminal n.º 25172/2003, Rel. Des. Donato Fortunato Ojeda).

“A condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode se fulcrar em mera delação. Tratando-se de prova imprestável obtida por meios ilícitos, por meio da violência policial, e à míngua de elementos seguros que autorizem juízo de condenação, deve o réu ser absolvido.” (Ap. Criminal n.º 7700/2004, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro).

“Não ganha foros jurídicos a prisão preventiva decretada a pedido de delegado, com amparo em delação de “colaborador” anônimo, no curso do inquérito policial, cujo pleito contraria o órgão acusador que sequer oferece denúncia após decorridos 90 (noventa) dias da segregação.” (HC n.º 24961/2003, Rel. Des. Manoel Ornellas de Alemida).

Sendo assim, temos que para ser válida e assim, utilizada como elementos de convicção pelo julgador, a delação necessariamente deve ser realizada na presença do delatado e seu defensor, assegurando-se a estes, em nome do princípio constitucional do contraditório, o direito a reperguntas.

E mais. O conteúdo desses elementos deve encontrar ressonância nas demais provas de forma harmônica – jamais restar isolada -, pois só assim se prestará para fundamentar uma decisão de natureza condenatória, não obstante a adoção pelo nosso Código de Processo Penal do princípio da livre convicção fundamentada ou persuasão racional do juiz.

 

Fonte: André Luiz Prieto

A Hora e a vez do Estado Defensor

A Constituição Cidadã atinge seus vinte anos e é chegado o momento de se realizar uma reparação histórica, qual seja, a de dar efetividade a lei maior com a transformação e fortalecimento da Defensoria Pública em nosso país.
Somente por meio de uma Defensoria Pública forte é que poderemos atender aos milhares de estados de insatisfação que se perpetuam e se convertem em decepções permanentes ou em casos de violência, porque as pessoas não tem condições financeiras de litigar em juízo, já que com a Defensoria enfraquecida, lhes fica distante o acesso à tutela jurisdicional, que o Estado moderno lhes promete como um dos princípios fundamentais da ordem democrática.

É preciso destacar que desde a promulgação da Constituição, o Estado tem investido desproporcionalmente no “ESTADO ACUSADOR” e no “ESTADO DEFENSOR”, sendo fato que em média o orçamento destinado ao “ESTADO ACUSADOR” é oito vezes maior que o destinado ao “ESTADO DEFENSOR”.

Márcio Thomaz Bastos, quando Ministro da Justiça, afirmou que “um dos maiores nós a ser desatado é a questão do acesso à Justiça. Para o ilustre Mauro Cappeletti o acesso à Justiça pode ser definido como ‘o requisito fundamental – o mais básico de todos os direitos humanos’. Não há dúvidas de que todas as instituições do mundo jurídico têm um papel relevante na construção do acesso à Justiça. No entanto, é certo que, a Defensoria Pública tem um papel diferenciado. A Defensoria é a instituição que tem por objetivo a concretização do acesso à Justiça, ou pelo menos do acesso ao Judiciário, sendo, portanto, vital no processo de efetivação de direitos.”

Segundo dados do IBGE 85% (oitenta e cinco por cento) dos cidadãos brasileiros ganham até quatro salários mínimos, sendo estes que dependem do “ESTADO DEFENSOR” para a garantia dos seus direitos. Portanto, que as autoridades do nosso país se apercebam que agora é a hora e a vez de se fazer brotar a vontade política de finalmente efetivar o fortalecimento do “ESTADO DEFENSOR”.

Fonte: Oleno Inácio de Matos

Da legitimidae da defensoria para a propositura da Ação civil pública

A Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, em seu Art. 21, preconiza que aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Este Codex, por sua vez, no Art. 97, proclama que a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. Mais adiante, no Art. 98, lemos que a execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. Arrematando que a execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

Da interpretação sistemática desses dispositivos citados, extrai-se que rejeitado o modelo de sincretismo processual para a tutela coletiva via ACP, mantida, desse modo, a cisão entre atividade cognitiva e executória, marcada, notadamente, outrossim, pelas expressões “legitimidade para propor” do Art. 5o. da LACP e “a execução de sentença poderão ser promovidas” do Art. 97 do CDC, e desautorizando, assim, ao intérprete, por sua vez, a ilação de que não deverá ser perquirida a manutenção da legitimidade do titular da ACP para a fase segunda de satisfação do julgado – etapa executiva – ao caso concreto.

Na fase satisfativa do julgado, a cada caso em exame, onde plenamente determinado e individuado a figura do exeqüente, para atribuir-se capacidade postulatória à Defensoria Pública, deverá o exegeta examinar se a vítima ou seus sucessores, outrora substituídos processuais, preenchem os requisitos insculpidos na letra do Inciso LXXIV da CF/88 em combinação com o disposto no caput do Art. 134 do mesmo Diploma Maior, ou seja, se presente a necessária e inafastável mola propulsora da “insuficiência de recursos”.

Em caso negativo, desautorizado estará o Defensor Público, que inclusive poderá até não ser o então “legitimado para a condução do processo” (expressão que prefere NERY) na anterior etapa cognitiva, para inauguração da fase executiva, que, insista-se, ultrapassou incólume as recentes reformas processuais do novel instituto do cumprimento de sentença, não aderindo ao sincretismo processual dos processos individuais cíveis, quiçá para também revelar o dever do Julgador de perscrutar o cabimento da manutenção do substituto processual no momento seguinte à fase de conhecimento. Observe-se que a execução individual da tutela coletiva pode-se dar até mesmo em juízo diverso daquele em que proferida a sentença ultra partes ou erga omnes.

Do contrário, verificada a “insuficiência de recursos” da “vítima ou seus sucessores”, demonstrada na forma eleita pelo Art. 4º. da Lei 1.060/50 no próprio bojo da petição da ação executiva, caberá, sim, à Defensoria Pública o manejo – ou a manutenção da atividade postulatória – , mas, desta feita, não mais como substituto processual ou legitimado para a condução do processo – aqui, na execução individual, já não há mais substituídos – ,mas, deveras, como autêntico procurador da parte, sem nenhum excepcional ornamento processual qualquer, senão aquelas sagradas faculdades dispensadas a todos e quaisquer Advogados públicos ou particulares.

Importando dizer, enfim, que deve merecer a ADI ajuizada acolhimento parcial, mas sem redução de texto, para atribuir à letra do Art. 5º., Inciso II, da LACP, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que a legitimidade da Defensoria Pública para a fase executiva da tutela coletiva outorgada deverá ser verificada em cada caso concreto, considerado sempre o requisito constitucional da insuficiência de recursos da vítima ou de seus sucessores.

 

Fonte: Carlo Eduardo Rios do Amaral