Autonomia da Defensoria Pública é condição para exercício da cidadania

A trágica conjuntura de desigualdade social e exclusão de minorias perpetua-se no Brasil. Os direitos fundamentais e humanos, extensamente anunciados pela Constituição Federal e pelos Pactos Internacionais, remanescem sem concretização. Esta senda de miséria, desídia e opressão é percorrida por multidões de brasileiros absolutamente marginalizados, desconhecedores de seus direitos.

 

É certo que o constituinte de 1988 preocupou-se com a concretização dos direitos fundamentais. Elegeu o modelo de Estado Democrático de Direito que, na vida digna e na emancipação humana, encontra sua essência. Para a materialização de seus objetivos, a Constituição Federal garantiu o acesso à Justiça.

 

Nesse contexto, destaca-se a atuação da Defensoria Pública como instrumento do regime democrático, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados. Trata-se de instituição essencialmente voltada à emancipação do vulnerável, sem a qual o acesso à justiça e o exercício da cidadania são inexequíveis pela população carente.

 

A adequada estruturação da Defensoria Pública para o desempenho de suas funções constitucionais pressupõe, por certo, a sua autonomia. Uma Defensoria Pública combativa unicamente pode sê-la se salvaguardada de retaliações políticas, se distante da ingerência direta ou indireta dos demais poderes quando do cumprimento de suas funções.

 

Em suas atribuições, a Defensoria Pública possibilita ao necessitado a reivindicação de seus direitos que, o mais das vezes, são confinados no plano retórico. O trabalho da Defensoria constrói-se nos planos individual e coletivo, compreendendo ações para obtenção de vagas em creches, assistência à população em situação de rua, defesa do direito à moradia, obtenção de medicamentos e tratamento médico perante o Poder Público, atuação em violência doméstica, combate à discriminação de grupos vulneráveis, garantia de acessibilidade às pessoas com deficiência, defesa do idoso, atuação em casos de família, desabrigamento de crianças, defesa criminal, etc..

 

Não obstante a essa atuação judicial, a concretização de direitos fundamentais também envolve a atuação extrajudicial e a educação em direitos pela Defensoria Pública, primando pela prevenção de conflitos e conscientização de direitos e deveres para o exercício da cidadania. Essas frentes são materializadas por palestras, cursos populares, conciliações e atendimentos multidisciplinares.

 

Por tantas vezes, a atuação da Defensoria Pública é construída contra o próprio Estado. Dessa forma, se não couber à própria instituição a decisão de escolha das prioridades e estruturas que oportunizem a melhor prestação do serviço, encontrar-se-á apequenada pelo próprio Estado.

 

Não por outras razões, a própria Organização dos Estados Americanos, por meio das resoluções AG/RES. 2656 (XLI-O/11), AG/RES. 2714 (XLII-O/12) AG/RES. 2801 (XLIII-O/13) e AG/RES. 2821 (XLIV-O/14) recomenda a adoção da autonomia administrativa, funcional e financeira das Defensorias Públicas, a fim de garantir a prestação de um serviço público eficiente e livre de ingerências.

 

Portanto, a autonomia da Defensoria Pública é a condição para o exercício da cidadania real, e não meramente simbólica. A supressão da autonomia das Defensorias Públicas equivale ao aviltamento dos direitos dos vulneráveis e das maiorias sem voz.

 

Leonardo Scofano Damasceno Peixoto é defensor público do Estado de São Paulo, doutorando e mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP.

Carlos Eduardo de Moraes Domingos é defensor público do Estado de São Paulo, mestrando em Direito Processual pela USP.

 

Fonte: ANADEP/ConJur