POR QUE A DEFENSORIA PÚBLICA AINDA NÃO ALCANÇOU TODA A POPULAÇÃO DO PIAUÍ?

Por João Batista Lago.

Presidente da Associação Piauiense dos Defensores Públicos

 

O último trimestre de cada ano é sempre marcado por uma terrível angústia para a Defensoria Pública do Piauí: a discussão da proposta orçamentária enviada pelo Governador do Estado para a Assembléia Legislativa. O projeto de lei que “estima a receita e fixa a despesa para o exercício financeiro de 2016” foi lido na ALEPI em 29 de outubro de 2015.

Contudo, a verdade é que o referido período não deveria ser de tamanha consternação, não fosse o considerável grau de miopia constitucional que assola nossos governantes, que acabam dando de ombros para preceitos constitucionais dotados de elevada força normativa, banalizando a nobilíssima missão defensorial, tão premente em um Estado como o Piauí, que se encontra entre os piores no tocante a índices de desenvolvimento humano.

O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Poder Executivo fixa para a Defensoria Pública em 2016 na fonte dos recursos oriundos do tesouro a despesa de R$ 69.322.875,00, incorporando um crescimento meramente simbólico de 3,75% se comparado com o orçamento de 2015 e, por conseguinte, neutralizando o compromisso constitucional com o acesso amplo e efetivo à justiça inclusive para os pobres. Paradoxalmente, para o orçamento da Governadoria do Estado, órgão situado apenas na capital, se propõe um crescimento de 65%, atingindo o montante de R$ 87.020.794,00.

Apenas para traçar um paralelo, ao Ministério Público, função igualmente essencial à justiça e com perfil similar ao da Defensoria Pública, se destinou R$ 171.918.680,00, numerário que na avaliação do Parquet é insuficiente para o cumprimento de sua valorosa missão em 2016. Que dizer do orçamento previsto para a Defensoria?

Já é hora de os mandatários políticos do Piauí compreenderem que a Defensoria Pública é instituição permanente e essencial à justiça, dotada de elevada capilaridade e incumbida de promover direitos humanos e outras funções imprescindíveis para o equilíbrio de uma sociedade que se proponha a ser minimamente justa sob o ponto de vista social, econômico e cultural.

Os números realçam a importância do trabalho desenvolvido pelos Defensores Públicos no Piauí. Apenas no 1º semestre de 2015 foram quase 70.000 atendimentos. Ingressou-se praticamente com 6.500 ações judiciais, o que certamente transforma a Defensoria Pública no órgão que mais se preocupa com o “direito a ter direitos” no Piauí.

Nesses números estão pessoas que dependiam do acesso à justiça para obter coisas tão simples quanto inalcançáveis não fosse a Defensoria Pública, como registrar o óbito de um parente morto há anos, mas que por puro desconhecimento não se dirigiram no prazo legal a um cartório para providenciar a lavratura do documento; ou cidadãos que engasgados com o pranto desesperado buscam tutela judicial para conseguir vaga em UTI em favor do ente querido que se encontra entre a vida e a morte. Foram mais de 40 ações ajuizadas com esse intuito no plantão da Defensoria Pública apenas nos seis primeiros meses deste ano.

Incumbe à DPE/PI a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. Exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor. Atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência. Enfim, há todo um plexo de atribuições inerentes ao Defensor Público que densifica a imperiosa necessidade de universalizar seus serviços.

Mas nem só de demandas judiciais vive a Defensoria Pública, que é, sobretudo, uma instância de resolução pacífica de contendas e de desjudicialização. Aliás, deve o Defensor Público promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos conflitos. Entre janeiro e junho de 2015 a Instituição efetuou quase 3000 composições extrajudiciais de litígios. O que isto significa? Que pelo menos 6000 pessoas (só no 1º semestre) resolveram suas divergências de maneira rápida, efetiva e desburocratizada, sem precisar ir ao Judiciário e aguardar anos a fio por uma decisão que muitas vezes não satisfaz a nenhum dos litigantes. Estes números tendem a subir com a inauguração, em breve, do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania.

A Defensoria Pública também se ocupa da missão de promover educação em direitos, visando prevenir conflitos e fomentar a cidadania, numa compreensão que vai além da mera informação sobre direitos, mas também sobre deveres e conscientização das pessoas sobre as relações de poder vigentes na sociedade. Foram mais de 50 palestras promovidas por Defensores Públicos só este ano.

Apesar de tudo isso somente 24 das 93 comarcas do interior do Estado do Piauí dispõem dos serviços da Defensoria Pública, o que significa que outras 69 continuam abandonadas pelo poder público, que lhes negligencia os serviços deste órgão, porta larga de ingresso ao mais básico dos direitos humanos, que é o acesso à justiça, na expressão de Mauro Cappelletti.

O argumento da crise econômica que assola o país não é justificativa para se fazer vistas grossas ao disposto no art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal que estabeleceu um prazo máximo de 8 anos para que os Estados passem a contar com Defensores Públicos em todas as unidades jurisdicionais. Em tempos de recessão econômica e aumento do desemprego a população de baixa renda é a que mais sofre, cabendo à Defensoria Pública a nobre e desafiadora missão de ser a porta-voz dos reclames dessa camada que a despeito de ser a maior é a mais negligenciada pelo poder público.

Portanto, fazendo ecoar as palavras do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, convicto de que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo poder público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão é que a sociedade clama por um orçamento que lhe seja compatível com um crescimento que permita a universalização dos seus serviços por todo o território do Piauí.