NOTA EXPLICATIVA

A ASSOCIAÇÃO PIAUIENSE DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS (APIDEP), em resposta à matéria intitulada “Dupla violência: Defensoria pede para proteger feto de menina de 12 anos grávida pela segunda vez após estupro no PI – e juíza aceita”, publicada no site do “The Intercept Brasil”, e o editorial “Bebel quer estudar, mas é obrigada a parir”, disponibilizada no perfil “Catarinas” da rede social Instagram”, bem como nas demais publicações que surgiram a partir destas, apresenta NOTA EXPLICATIVA.

De início cumpre manifestar o mais estrito compromisso da Associação com a liberdade de expressão, esteio das sociedades plurais, erigida à condição de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro (Constituição Federal, artigo 5ª, VI). Exatamente engajada na preservação dessa conquista é que a entidade vem apresentar seu posicionamento.
A mesma Constituição configurou a Defensoria Pública como instituição “essencial à função jurisdicional do Estado”, à qual, “como expressão e instrumento do regime democrático”, incumbe, dentro outras funções, “a promoção dos direitos humanos” (artigo 134).

Em seu papel contraegemônico a Defensoria Pública, por vezes, vê-se enredada na defesa de posicionamentos que não encontram ressonância na coletividade. Ainda assim, essa mesma comunidade nacional legou à instituição a defesa de pretensões políticas qualificadas, denominados direitos, as quais são destinadas a prevalecer mesmo contra a vontade da maioria.

Precisamente para garantir o cumprimento de tão essencial função é que os membros da Defensoria Pública são investidos de autonomia funcional, a qual significa que poderão desenvolver suas funções da forma mais ampla possível, desde que respeitadas as normas vigentes.

O caso em questão foi tratado judicialmente em dois processos, ambos veiculando pedidos de aplicação de medidas protetivas de acolhimento institucional, alimentos e tratamentos médicos e psicológicos em favor da adolescente. O primeiro foi interposto pela Defensoria Pública na qualidade de curadora da adolescente; o segundo pelo Ministério Público. Em ambos não existia requerimento para que se impedisse o aborto legal, que é autorizado independentemente de instauração de processo judicial. Ocorre que, enquanto o juízo aguardava a aplicação do procedimento que regulamenta a “Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez”, previsto na Portaria do Ministério da Saúde nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, a adolescente declarou, em harmonia com sua genitora, que não desejava interromper a gravidez. Tais declarações serviram, inclusive, a motivar a decisão do Desembargador que, em julgamento de recursos interpostos tanto pela curatela do nascituro – nomeada no curso do processo – como pela advogada da mãe da menina, tornou sem efeito a sentença autorizadora da interrupção gestacional.

O aborto legal decorrente de estupro está previsto no Código Penal de 1940 nos seguintes termos: “art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: […] II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Como se pode perceber da leitura da norma, não há obrigação de que seja instaurado processo judicial para que o aborto justificado por prévio ato de violação da dignidade sexual seja realizado. Também não há previsão normativa que obrigue ou mesmo proíba, no processo judicial eventualmente criado, a nomeação de curatela ao nascituro.

Na ausência, portanto, de nítido direcionamento legal sobre a necessidade ou não de nomeação de curatela ao nascituro no processual judicial, a atuação do membro da Defensoria Pública, em qualquer dos sentidos (é dizer, exercendo ou se negando a exercer a curatela), estará resguardada pelo pleno exercício da autonomia funcional, desde que devidamente motivada e justificada.

Independente da questão de fundo, portanto, a Defensoria Pública agiu legitimamente dentro do espaço normativo em vigor. Ao contrário do que fazem sugerir as matérias jornalísticas, os membros da instituição defensorial não atuaram na promoção de suas convicções pessoais, mas no lídimo exercício de suas autonomias funcionais, expressões e garantias que são do cumprimento das funções contraegemônicas da instituição, absolutamente necessárias à promoção e defesa de direitos humanos.