O caminho para uma Defensoria Pública forte e presente em todo o Piauí: a necessidade de se destinar um orçamento adequado para a Instituição

Dárcio Rufino de Holanda[1], Jeiko Leal Melo Hohmann Britto[2] e Marcos Martins de Oliveira[3]

A Defensoria Pública exerce o honrado papel estatal de prestar assistência jurídica aos vulnerabilizados, sendo definida, no art. 134 da Constituição Federal, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

No item 1 da resolução n.º 2.656/2011, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos resolveu também afirmar que o acesso à justiça, como direito humano fundamental, é, ao mesmo tempo, o meio que possibilita que se restabeleça o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados.

  1. vi) o acesso à justiça, como direito humano fundamental é, também, o meio que possibilita restabelecer o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados, e salienta, ao mesmo tempo, que o acesso à justiça não se esgota com o ingresso das pessoas na instância judicial, mas que se estende ao longo de todo o processo, o qual deve ser instruído segundo os princípios que sustentam o Estado de Direito, como o julgamento justo, e se prolonga até a execução da sentença[4]. (destaques nossos)

Em que pese a essencialidade e a importância desse serviço público, o qual proporciona aos cidadãos mais carentes o acesso à justiça, aos direitos e à dignidade, os Estados, como regra, destinam apenas 0,24% de seu orçamento às Defensorias Públicas (dados do ano em curso). Comparando o orçamento com o do Ministério Público e do Judiciário percebe-se a discrepância e o descaso estatal. No âmbito nacional, para o orçamento de 2024, os valores destinados ao Ministério Público são 272,6% maiores que os valores destinados à Defensoria Pública. Quando a comparação é realizada com o Poder Judiciário a discrepância é ainda maior, sendo o orçamento do PJ 1.437,7% maior que o da Defensoria Pública[5].

Focando no desequilíbrio orçamentário no âmbito do Estado do Piauí, análise comparativa entre o orçamento aprovado para a DP-PI, MP-PI e TJ-PI, também revela grande desequilíbrio no cenário financeiro das instituições que compõem o sistema de justiça. Para o orçamento de 2023 os valores destinados ao Poder Judiciário e ao Ministério Público foram, respectivamente, 639,72% e 142,02% maiores que o da Defensoria Pública. O orçamento do TJPI foi de R$ 844.350.202, do Ministério Público R$ 276.250.836 e o da Defensoria Pública apenas R$ 114.144.432[6].

Mesmo com o orçamento limitado a Defensoria Pública do Piauí tem números expressivos de atuação, dados do ano de 2023 demonstram que: 1) a diretoria do 1ª atendimento cível registrou mais de 19.000 atuações[7]; 2) a diretoria dos núcleos especializados registrou mais de 75.000 atuações[8]; 3) a defensoria Itinerante registrou mais de 32.000 atuações[9]; 4) a diretoria criminal registrou mais de 37.000 feitos[10]; 5) a diretoria regional registrou mais de 174.000 atuações[11].

Verifica-se que a realidade orçamentária da Defensoria Pública do Estado Piauí não permite o cumprimento da determinação contida na Emenda Constitucional n.º 80/2014, que estabeleceu o ano de 2022 como prazo limite para que os Estados dotassem todas as comarcas do país com defensores públicos. Contudo, o mandamento constitucional está longe de se tornar realidade, principalmente por falta de vontade política dos gestores públicos, os quais, ao invés de investir na Defensoria Pública e criar receitas para sua expansão, optam por investir em outros modelos de assistência jurídica, como o da advocacia dativa (LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DO PIAUÍ Nº 304, DE 30 DE AGOSTO DE 2024), a destinar recursos públicos para o pagamento de advogados onde a Defensoria Pública não está presente ou não está suficientemente instalada.

Sobre o modelo dos dativos mostra-se oportuna e necessária uma breve nota. A Defensoria Pública serve à população vulnerabilizada de nosso estado, já os advogados dativos servem ao Judiciário, atuam por processo a partir de designação judicial ante a ausência do órgão constitucionalmente destinado ao atendimento da população carente. Com isso pretendemos deixar claro que, com a Defensoria Pública presente, há uma porta permanentemente aberta à população mais necessitada, ao passo que, com os dativos, há apenas um profissional liberal à espera de nomeação pelo Judiciário para atuar num dado processo e receber seus honorários por isso, ou seja, o advogado dativo atua por processo, enquanto o defensor público atua para a população.

No Estado do Piauí 29 (vinte e nove) comarcas ainda não contam com Defensoria Pública instalada. Essa é uma realidade que exige atenção dos poderes, notadamente dos poderes executivo e legislativo, em um momento em que se discute o orçamento para o ano de 2025, sendo urgente que se volte um olhar atento e sensível para a questão, de modo a não perpetuar essa discrepância orçamentária que vem sendo praticada com a Defensoria Pública no Piauí desde sempre. É o momento oportuno para ao menos começar a corrigir essa distorção.

Garantir um orçamento maior à Defensoria Pública é assegurar sua expansão com a interiorização da assistência jurídica integral e gratuita à população mais necessitada de nosso estado. Nesse sentido é importante destacar que há um concurso público válido com mais de 50 aprovados esperando nomeação, que depende apenas de orçamento adequado.

Assim, é de extrema importância que os poderes executivo e legislativo voltem os olhos para a Defensoria Pública, Instituição de Estado concebida pela Constituição da República para cumprir a importantíssima missão de defender os direitos dos despossuídos, seja no âmbito do sistema de justiça, seja fora dele. O investimento na Defensoria Pública revela compromisso com uma política pública capaz de impactar de forma positiva e permanente a vida de pessoas e comunidades vulnerabilizadas. A opção constitucional pelo modelo público de assistência jurídica aponta no sentido de que o Constituinte de 1988 pretendia que Defensoria Pública tivesse robustez semelhante à dos outros entes do sistema de justiça, e a Emenda Constitucional 80/2014 não admite mais qualquer dúvida sobre isso.

[1] Defensor Público do Piauí, vice-presidente da APIDEP.

[2] Defensor Público, presidente da APIDEP.

[3] Defensor Público do Piauí, diretor-secretário da APIDEP.

[4] OEA. Resolución 2656/OEA, de 07.07.2011. Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/AG-RES_2656_XLI-O-11_esp.pdf. Acesso em: 11 jan. 2016.

[5] CONDEGE/ANADEP. Orçamento e despesas. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/. Acesso em: 16 out. 2024.

[6] CONDEGE/ANADEP. Orçamento e despesas. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-por-unidade-federativa/defensoria-publica-do-estado-do-piaui/. Acesso em: 16 out. 2024.

[7] https://www.pi.gov.br/noticia/diretoria-de-primeiro-atendimento-civel-da-defensoria-publica-registra-mais-de-19-000-servicos-em-2023

[8] https://www.defensoria.pi.def.br/nucleos-especializados-da-defensoria-demandaram-mais-de-75-mil-procedimentos-em-2023/

[9] https://www.defensoria.pi.def.br/defensoria-itinerante-realizou-32-828-acoes-em-2023-atendimentos-superaram-em-983-o-registrado-em-2022/

[10] https://www.defensoria.pi.def.br/diretoria-criminal-da-defensoria-contabilizou-mais-de-37-mil-feitos-em-2023/

[11] https://www.pi.gov.br/noticia/defensorias-regionais-registraram-174-839-feitos-em-2023