Em período de crise econômica virou lugar comum dizer que, para além da eficiência e da economicidade no que tange ao gasto público, é preciso criatividade no tocante à obtenção de novas fontes de receitas, dada a escassez de recursos na chamada “Fonte 00 – Recursos do Tesouro”.
Outro clichê reverberado em todos os discursos sobre acesso à justiça é o de que a Defensoria Pública precisa chegar a todas as comarcas do Estado. É o que afirmam e prometem invariavelmente os políticos sempre que instados a se manifestar sobre esse assunto. Foi cansado de ouvir discursos como estes que Paulo Freire certa vez advertiu que “é fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”.
Ciente das dificuldades orçamentárias do Estado ainda em 2016, a Defensoria Pública levou ao Governador uma proposta visando fortalecer os recursos destinados ao custeio da máquina defensorial, sem impactar nos combalidos recursos do tesouro. A ideia era ampliar as receitas do Fundo de Modernização e Aparelhamento da Defensoria Pública do Estado do Piauí – FMADPEP com a destinação de percentual dos valores cobrados a título de emolumentos dos serviços notariais e de registro.
Esse modelo já é seguido muito exitosamente em outras Unidades Federativas, tais como no Estado do Rio de Janeiro (Lei Estadual nº 4663/2005), Rio Grande do Norte (Lei Estadual nº 166/99), Amazonas (Lei Estadual nº 3257/2008), Rondônia (Lei Estadual nº 3537/2015) e Ceará (Lei nº 15.490/2013).
Com esse aporte orçamentário (diga-se de passagem, de aplicação vedada em despesas com pessoal) a Defensoria Pública teria fôlego para investir na melhoria de sua atividade, na aquisição e conservação de móveis e imóveis, aporte de tecnologia (medida mais do que premente, considerando que o processo judicial eletrônico bate às portas), enfim, o aprimoramento da eficiência na defesa dos direitos dos mais pobres.
Em dezembro de 2016, o Governador encaminhou à Assembleia Legislativa duas mensagens contendo projetos de lei prevendo o repasse de percentual dos valores cobrados a título de emolumentos dos serviços notariais e de registro, uma para a Defensoria Pública e outra para o Ministério Público, que pegou carona na ideia apresentada ao chefe do executivo.
Surpreendentemente (ou não?), às vésperas do natal de 2017, a Assembleia Legislativa votou e aprovou tão-somente o projeto de lei que beneficiava o Ministério Público, mantendo o que favorecia a Defensoria Pública numa profunda gaveta. Opção política? Talvez sim. É possível que o Poder Legislativo estadual tenha compreendido que os R$ 196.535.291,00 previstos no orçamento de 2018 para despesa do Ministério Público sejam insuficientes, e, por outro lado, que os R$ 82.280203,00 previstos para a Defensoria Pública o sejam. Possível, mas não provável.
E o que fica para a Defensoria Pública neste final de ano? Fica o (não) presente de natal. Fica o discurso distante da prática. Fica a lição contida na constituição da Fazenda dos Bichos, de que falou George Orwell: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.