Força Tarefa Defensorial é tema de entrevista em rádio

O presidente da Associação Piauiense dos Defensores Públicos (APIDEP), o Defensor Público João Batista Viana do Lago Neto, Titular da 6ª Defensoria Pública Criminal concedeu entrevista nesta quarta-feira (30), no programa Atualizando a Notícia da Rádio Jockey FM 88.1, sobre o Projeto Força Tarefa Defensorial, do qual é o autor e que está sendo desenvolvido atualmente junto aos detentos da Casa de Custódia José Ribamar Leite.

“O importante ao falar do projeto em si é dizer que ele se assenta em algumas premissas. A primeira é o problema da superpopulação carcerária. A do Brasil vem crescendo vertiginosamente. Hoje já somos a terceira maior população carcerária do mundo, sendo superados apenas pelos Estados Unidos e a China, com o detalhe que esses dois países vêm obtendo um decréscimo enquanto o Brasil, ao contrário, tem aumentado bastante o número de presos, sejam provisórios ou sentenciados.  Outro aspecto é o que chamamos de taxa de ocupação média, índice que calcula a quantidade  de presos por vaga. No Brasil essa taxa é de 200%, o que significa que em um espaço para 10 presos, em média temos 20,  enquanto Estados Unidos e Rússia, por exemplo, estão dentro do patamar de 100%, um para uma vaga ou até menos do que isso. Então esses dados no Brasil são alarmantes e requerem bastante atenção da Defensoria  Pública, que é a Instituição encarregada de prestar a assistência jurídica integral e gratuita àqueles que, estando privados de liberdade, não têm condições de custear as despesas do processo e honorários de advogados”, explica.

Ainda falando sobre a superlotação do Sistema Carcerário o Defensor destacou as causas e consequências dessa realidade no Piauí. “Aqui tanto a Casa de Custódia como a Penitenciária Irmão Guido têm superlotação, mas na Custódia é bem mais acentuada. Temos hoje mais de 900 presos num espaço para menos de 400. Com o agravante de serem presos provisórios. Costumo dizer que a população carcerária dos presos não sentenciados, os provisórios, passa por uma carga  de tensão muito maior que a dos sentenciados, exatamente por causa da indefinição. Esse é um aspecto que traz um dado  negativo para o Piauí, que é uma das unidades da Federação com maior índice de presos provisórios do Brasil. Em torno de 66% da população carcerária do Piauí é formada por presos provisórios e isso se dá  por uma junção de fatores, que passa pela demora na tramitação dos processos. O Piauí tem sido muito lento no julgamento dos processos penais, o que acarreta invariavelmente nessa crescente da população de presos provisórios. Chamamos atenção para  uma certa cultura de carcerização no Piauí, que decorre da própria mentalidade do julgador. Não se usam a contento as chamadas medidas  cautelares substitutivas da prisão, que estão no artigo 319 do Código de Processo Penal e foram frutos de uma reforma legislativa que visava combater esse altíssimo índice de presos provisórios que o Brasil ostenta. Existem iniciativas muito salutares, como a audiência de custódia implementada ano passado, mas nem assim conseguimos reduzir a população carcerária, principalmente de presos provisórios. Esse é um problema crônico que enfrentamos no Piauí e não estamos conseguindo dar solução para ele”, afirmou.

O Defensor João Batista Viana reforçou que a reduzida quantidade de profissionais tanto na magistratura, como no Ministério Público e na Defensoria Pública é um dos fatores para o problema da demora no julgamento dos processos. “A questão da mora processual é um dado matemático. Se tem uma determinada vara criminal com mil processos sob responsabilidade de um Juiz, é lógico que ele vai conseguir dar vazão a esses processos numa espaço mais razoável do que aquele Juiz que tem 4 mil processos, por exemplo. Temos situações assim tanto em Teresina como no interior do Estado. Além da falta  também de estrutura. No Piauí, salvo engano,  o Tribunal de Justiça tem menos da metade dos  seus cargos providos por concurso público, são menos analistas, menos técnicos, menos servidores, enfim todo um staff que poderia ajudar o Juiz  na condução dos processos e fomentar a produção de resultados nesse sentido, combatendo o excesso de presos provisórios no Piauí”, diz.

Ele ainda discorreu sobre como se dará a Força Tarefa na Casa de Custódia.  “Podemos desmembrar o trabalho em fases. Nesse primeiro momento os treze Defensores Públicos, todos da área criminal, destacados para a missão vão fazer a análise da situação de cada preso, o que dará em torno de 70 detentos para cada um. Como disse vamos analisar a situação de todos e claro só não tomaremos providência daqueles que já possuem advogado constituído. Faremos a triagem para ver se já é possível tomar alguma medida processual. Dentro dessa atividade acabamos tomando uma série de medidas controles da qualidade da prisão, por assim dizer. Nosso Código de Processo Penal não recomenda, por exemplo, a prisão para crimes de médio potencial ofensivo, como o furto simples, sem qualificadora, cuja pena vai de 1 a 4 anos. Nesses casos o CPP recomenda que não se imponha uma prisão, mas sim uma medida alternativa como comparecimento periódico  em juízo, recolhimento noturno em casa. São 9 medidas alternativas para isso, e nos ainda  encontramos casos assim, então nos vamos filtrar e requerer as medidas necessárias. Sabemos que vamos encontrar também excesso de prazos, pessoas presas há dois três anos sem uma sentença”, explica.

A Força Tarefa é uma ação da Defensoria Pública. “É a Defensoria indo pra dentro do Sistema,  analisando a situação de cada um, identificando os casos de abuso para, a partir daí, fazer a provocação do  Judiciário. A Defensoria vai como porta-voz. Na verdade é muito interessante quando temos um situação que envolva todos  os órgãos do Sistema de Justiça, porque a efetividade obviamente é muito maior, mas não podemos compelir os demais a aderirem. Quanto a segurança dos Defensores que estarão na Custódia quando do atendimento presencial  assinamos um termo de cooperação com a Secretaria de Justiça, no qual ela se compromete  a dar toda a logística para o atendimento. Mas é importante dizer que esse trabalho de atendimento nos presídios já é feito regularmente pela Defensoria, então não estaremos lá como iniciantes, ‘marinheiros de primeira viagem’. Também é necessário esclarecer que ao ir até a Custódia estamos atendendo uma reivindicação dos próprios presos durante as últimas rebeliões, não obstante esse atendimento já estivesse no nosso calendário de atividades, então dentro de todo esse contexto acreditamos que o atendimento se dará de forma tranquila”, afirmou.

O Defensor Público aproveitou para elencar alguns casos de excesso dentro do Sistema Prisional já detectados pela Defensoria Pública. “Já encontramos várias irregularidades. Um caso bem emblemático foi identificado pela Dra. Glícia Rodrigues Batista Martins, da Coordenação de Execução Penal, durante trabalho em 2014 na Penitenciária Irmão Guido onde encontrou pessoa com prisão temporária de 30 dias decretada em 2009. A Defensora prontamente requereu a revogação. Além desse já encontramos vários excessos de prazos, pessoas há mais de ano aguardando audiência que não é realizada, casos que a Lei não recomenda a prisão  ainda assim estão lá presos. Na Penitenciária Feminina encontramos uma pessoa condenada a um ano no aberto à qual  o Juiz paradoxalmente negou o direito de recorrer em liberdade. Nesse caso o STJ  corrigiu a ilegalidade e foi expedido alvará de soltura. Na Casa de Custódia, pela dimensão,  acreditamos que vamos encontrar muito mais casos assim”, ressalta.

“Falando em caráter mais científico realmente o que observamos é que dentro da ciência criminal há um movimento pendular que vai e volta entre  o garantismo e o punitivismo. Parece que nesse momento estamos caminhando no sentido do punitivismo, o que é muito arriscado, principalmente em um estado democrático de direito como o nosso, que se alicerçou sob garantias duramente conquistadas, a custa do derramamento de sangue de muitas pessoas. Acho muito perigoso que hoje se queira dar resposta ao problema da violência, por exemplo, a custa da flexibilização de garantias. Discordo plenamente que o problema da violência seja a impunidade. Nunca se prendeu tanto no Brasil como hoje. Parafraseando o Desembargador Amilton Bueno, que afirma que problemas complexos não tem soluções simples, afirmo que é um grande engodo querer dar resposta simples para um problema tão complexo como o da violência,  então acredite que o que é necessário é a implementação de mas políticas sociais, aumento do emprego, da renda, combate ao anafalbetismo. São políticas que se bem implantadas trarão resultados positivos”, afirma.

O Defensor finalizou sua participação reafirmando  que a segunda etapa Força Tarefa se dará com atendimento in loco  de forma efetiva e satisfatória. “. Lembramos que a realização da Força Tarefa não mudará a  rotina normal de atendimento dentro dos presídios e nas audiência. Será uma atividade extra para todos os Defensores envolvidos. Importante dizer ainda que a Defensoria preza pelo atendimento humanizado, olho no olho. Essa não pode ser uma atividade meramente formal”, pontuou.

Fonte: DPE/PI