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A quem interessa negar direitos ao povo?

Há muito, já cantava o grande compositor brasileiro, Adoniram Barbosa: “Quando o oficial de justiça chegou lá na favela / E contra seu desejo entregou pra seu Narciso / Um aviso pra uma ordem de despejo /Assinada seu doutor, assim dizia a petição / Dentro de dez dias quero a favela vazia / E os barracos todos no chão / É uma ordem superior / Não tem nada não, seu doutor / Vou sair daqui pra não ouvir o ronco do trator /Pra mim não tem problema / Em qualquer canto me arrumo / de qualquer jeito me ajeito /Depois o que eu tenho é tão pouco / minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás / Mas essa gente aí, hein, como é que faz?”

Atualmente, no Brasil, a grande maioria das demandas coletivas relativas a moradia, despejos e conflitos habitacionais urbanos conta com a atuação da Defensoria Pública, na assistência de pessoas em situação de hipossuficiência econômica e hipervulnerabilidade social, como é o caso de todos os brasileiros que ainda não tiveram efetivado o direito fundamental à moradia. Essa é uma relevante atuação da Defensoria Pública na tutela de direitos fundamentais, a exemplo de diversas outras.

Segundo dispõe a Constituição, incumbe à Defensoria Pública, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, com vistas a efetivar o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita. No entanto, a Defensoria Pública, função essencial à justiça e instituição primordial para a Democracia, com a qual conta diariamente a maior parte dos brasileiros e brasileiros, hoje se encontra sob grave risco.

O Projeto de Lei 257 16, que estabelece Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal, prevê, no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, a imposição do percentual de até 0,7% da Receita Corrente Líquida do Estado para gastos com pessoal das Defensorias Públicas dos Estados, o que, se aprovado, importará no fechamento de parte significativa das unidades da Defensoria Pública do país e, ainda, na exoneração maciça de Defensores Públicos e servidores da instituição, em quase todos os Estados da Federação.

O que significa fechar unidades da Defensoria Pública e exonerar Defensores Públicos? Na prática, isso significa negar direitos a crianças de baixa renda que dependem de pensão alimentícia; às crianças e adolescentes em situação de risco, de maneira geral; aos adolescentes privados da liberdade ou em conflito com a lei; a idosos em situação de vulnerabilidade; a mulheres em situação de violência doméstica; a consumidores que sofrem lesões diversas, diariamente, em todo o Brasil; às pessoas encarceradas; a todos aqueles que necessitam de medicamentos e tratamentos/ assistência médica em geral e que, não raro, tem essa necessidade negada ou retardada pelo Poder Público, necessitando recorrer ao Poder Judiciário; àqueles que esperam a concretização do direito à moradia, no campo e nas cidades; a todos aqueles que sofrem com as mais diversas violações de direitos humanos e a todos aqueles que não tem condições de contratar um advogado para acessar o Poder Judiciário, sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

 

Hoje não há um patamar previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal com relação à Defensoria Pública, estando vinculada, ainda – e a despeito de se tratar de instituição autônoma – ao orçamento do Poder Executivo. No entanto, o patamar previsto no aludido Projeto de Lei é absolutamente insuficiente às finalidades a que se presta a instituição, destacando-se que a maior parte das Defensorias Públicas dos Estados tem gastos com pessoal em percentual superior ao previsto nesse Projeto, razão pela qual uma futura adequação resultaria na necessidade de exonerar membros, servidores e fechar unidades, um abominável retrocesso social e negação de direitos, sobretudo aos pobres, marginalizados e oprimidos de nossa sociedade.

Além de violar a Constituição Federal em diversos aspectos – sobretudo ao afetar drasticamente o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, cuja prestação incumbe à Defensoria Publica, e de legislar em sentido contrário ao dispositivo constitucional que prevê a obrigatoriedade de todas as unidades jurisdicionais brasileiras contarem com Defensores(as) Públicos(as) – , o aludido projeto de lei negligencia o fato de que obstar o funcionamento das instituições cuja missão consiste na efetivação de direitos fundamentais e em demandar pela efetivação de outros direitos de igual fundamentalidade é negar a própria razão de ser do Estado.

Com efeito, o Estado, enquanto instituição, só existe em razão de os indivíduos terem aberto mão de certa parcela de sua liberdade (o que permite ao Estado interferir diretamente em suas vidas, em diversos aspectos) em troca de que esse ente efetive direitos fundamentais, dos quais se reconhece como devedor, sobretudo, a partir de sua Constituição. Assim, atuar o Estado com vistas a embaraçar a efetivação de direitos, notadamente direitos já conquistados, importa em agir contra sua própria finalidade, a resultar em intolerável contrassenso. A partir dessa constatação elementar, é notório que se utilizar de crise econômica como justificativa para retrocessos sociais, mormente na seara dos direitos já garantidos (a duras penas) é negar sua própria finalidade, e pretender se utilizar de um direito CONTRA seu respectivo titular.

Contra esse Projeto de Lei, verdadeira transgressão ética das finalidades do Estado, impossível não lembrar a lição de Paulo Freire, que, em sua Pedagogia da Autonomia, nos legou o sempre oportuno registro: “Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da ‘justa ira’ dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.”

Isabella Faustino Alves – Defensora Pública. Coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Conselheira Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Estado do Tocantins). Especialista em Direito Constitucional e Direito do Estado. Integra o Coletivo Defensores Públicos pela Democracia.

 

Fonte: Adpema

Autonomia: promessa do Constituinte à Defensoria e um débito histórico quitado

Segue pendente de julgamento a ADI nº. 5296, tratando da autonomia da Defensoria Pública da União (DPU). Assim – em um cenário no qual grande parte da doutrina (lamentavelmente) desconhece o histórico e origem defensorial no Brasil –, talvez não exista momento mais oportuno para expor dois motivos para a constitucionalidade da autonomia atual do “Estado Defensor”: (I) Uma promessa Constituinte e (II) a origem remota da instituição no Brasil. Em verdade, são dois motivos, dentre tantos outros, demonstrativos da singularidade da Defensoria Pública para fins de concessão da autonomia no singular Sistema de Justiça Brasileiro (SJB), conforme se deixará registrado ao fim.

Nesse contexto, relembra-se que somente 3 (três) carreiras do Sistema de Justiça – nacionalizadas e interiorizadas –, receberam a inamovibilidade diretamente do constituinte originário: juízes, membros do Ministério Público e defensores públicos. Somente as três. Isso corresponde a uma possível tendência inclusiva (já na redação originária do texto constitucional) da Defensoria em uma nova onda renovatória do acesso à Justiça (para maiores detalhes vide o excelente trabalho de Luiz Felipe Siegert Schuch), cujo objetivo é conferir autonomia (funcional, administrativa e financeira) à Instituição Julgadora e às Instituições postulantes de interesses múltiplos inseridos na sociedade, de maneira independente do Executivo e Legislativo.

Convém sobrelevar que a Constituição, de certo modo, sempre impôs como “composição mínima do Sistema de Justiça da Comarca” a presença de um juiz, um promotor e um defensor público. Tal conclusão se extrai de plano na leitura da redação constitucional original do inciso VII[1] do art. 235 da CRFB/88 – interpretação essa explicitada por meio da EC n. 80/2014 (ADCT, art. 98, § 1º[2]).

Porém, a inamovibilidade e a composição mínima do Sistema de Justiça da Comarca, não são os únicos indícios de tendência à autonomia do “Estado Defensor” já na redação originária – há outros elementos probatórios desse fato, e são mais fortes.

 

Uma Promessa Constituinte

Em uma das reuniões da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), o constituinte Nelson Carneiro (em 14/9/1987), já alertava para a necessidade de uma Defensoria Pública autônoma através do denominado “Projeto Bernardo Cabral”: “Projeto Bernardo Cabral (…) proclama a necessidade da Defensoria Pública como órgão autônomo dentro do corpo do Poder Judiciário (…)”.

Ocorre que a referida autonomia – tanto para o Ministério Público, quanto para a Defensoria Pública –, foi encarada com certo nível de desconfiança pelos membros da ANC. Nesse contexto, a autonomia para a Defensoria Pública não se concretizou já em 1988 por receio. Porém, a autonomia defensorial sagrou-se em uma “promessa do constituinte”. Agregou Plínio de Arruda Sampaio durante a Constituinte Brasileira: “Se amanhã ela se mostrar realmente fundamental e necessária, apresentaremos emenda constitucional nesse sentido.”

Tratava-se ali do receio de se criar concomitantemente duas novidades no modelo de organização estatal: Ministério Público e Defensoria Pública, enquanto entes autônomos. Com efeito, garantiu-se a inamovibilidade aos defensores públicos e remeteu-se ao futuro os debates sobre outras garantias similares a MP/Judicatura (tais como vitaliciedade e a autonomia), por receio (repita-se) de se exagerar em inovação. Semente e promessa lançada.

Perceptivelmente, a tutela dos interesses dos necessitados incomoda. E incomoda não somente em sua atividade-fim, como também na luta por uma carreira forte e que possa atrair e manter juristas de qualidade para a defesa isonômica dos necessitados. A recente propositura de ADI’s no STF contra a legitimidade coletiva, a autonomia e independência da capacidade postulatória dos agentes da Defensoria Pública, ao lado dos geralmente ínfimos investimentos em Defensoria Pública nos estados, demonstram claramente que os “tempos futuros” citados por Plínio Arruda Sampaio chegaram e são presentes.

Em parte, a promessa de autonomia se efetivou a partir da EC n. 45/2004 e fortificou-se com a edição da EC n. 80/2014.  Aliás, o constituinte Bernardo Cabral (então Senador e primeiro relator da Reforma do Judiciário, em parecer) – desta vez não mais sobre o texto originário da Constituição, mas sobre a autonomia conferida pela EC n. 45/2004 –, pronunciou-se sobre a necessidade de autonomia: “A atribuição da autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas, e o poder de iniciativa de sua proposta orçamentária, conferirá a essas instituições uma importante desvinculação do Poder Executivo, com o qual não guardam qualquer relação de afinidade institucional, além de propiciar um fortalecimento da instituição e da conseqüente atuação institucional”.

 

Autonomia do “Estado Defensor”: um débito histórico quitado

Em avanço da temática, outro ponto (infelizmente) desconhecido até mesmo pelos estudiosos do Direito Constitucional no Brasil é a origem da Defensoria Pública nacionalizada e interiorizada no Brasil: Um órgão de Procuradoria de Justiça via Defesa Pública. Com efeito, o primeiro enfoque para começar a entender melhor o citado debate é histórico.

Embora em São Paulo, por exemplo, a origem da Defensoria Pública seja dentro(!) da Advocacia Pública (PGE/SP), onde fora aglutinada duas carreiras constitucionalmente distintas do art. 132 e 134 da Constituição – modelo paulista esse repelido pelo Constituinte por causar notória situação de risco aos interesses defendidos e patrocinados pelo “Estado Defensor” –, a Defensoria Pública nacionalizada e interiorizada foi pensada a partir do modelo do antigo estado do Rio de Janeiro (e não do antigo estado do Guanabara, ressalte-se). Ou seja, a Defensoria Pública incorporada à Constituição foi pensada como órgão de PGJ (Procuradoria Geral de Justiça). Sim. Curioso, não? Mas é essa a origem e é a partir dela que tal função estatal deve ser lida e interpretada.

No século passado, nas origens da carreira de defensor público que repercutiu na CRFB/88, promotores de Justiça e defensores públicos integravam a mesma Procuradoria de Justiça (PGJ), cada um procurando Justiça por via do seu respectivo ofício (acusação pública ou defesa pública).

A intenção já anunciada de conferir autonomia à Defensoria Pública colocou-a em ladear constitucional isonômico (e harmônico) com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas sempre em dispositivos constitucionais distintos (art. 133 e art. 134, CRFB/88). Tal situação de harmonia e isonomia permanece, mesmo após a edição da EC n. 80/2014 – a qual, porém, reforçou a autonomia do Estado Defensor.

É impositivo repensar a autonomia e funções da Defensoria Pública à luz de tais importantes dados históricos, isso tudo sem qualquer necessidade de conflitar com indispensabilidade da advocacia (art. 133, CRFB/88) e a essencialidade ministerial (art. 127, CRFB/88). Aliás, exatamente nesse contexto Luigi Ferrajoli pensou na verdadeira amplitude e essencialidade do defensor público ao Sistema de Justiça (“SJ”) e o fez de modo a compatibilizar seu papel com as demais figuras do “SJ” – esse, porém, será o tema de mais um novo texto em breve.

 

Breves notas conclusivas

Enfim, claramente, não pode restar qualquer resquício de dúvida no sentido de que a autonomia do Estado Defensor é – além de uma promessa constituinte originária –, um resgate e um reencontro com origem do modelo defensorial adotado em 1988 – um verdadeiro débito histórico quitado –, caracterizando legítima busca de Justiça Estatal via defesa pública.

Ao remate, trata-se de conferir tutela jurídica à autonomia para quem postula na defesa da Justiça Social em um cenário não necessariamente favorável aos demais tentáculos do Estado – sejam estes executivos, legislativos, judiciários, ministeriais etc –, e ao Poder Econômico.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de garantir a oitiva da voz dos necessitados e a independência defensorial para um debate democrático nos mais variados campos sociais “com”, “apesar” e mesmo na “omissão” da ordem jurídica.

 

Notas e Referências:

 

[1] CRFB/88, Art. 235. Nos dez primeiros anos da criação de Estado, serão observadas as seguintes normas básicas: (…) VII – em cada Comarca, o primeiro Juiz de Direito, o primeiro Promotor de Justiça e o primeiro Defensor Público serão nomeados pelo Governador eleito após concurso público de provas e títulos;

 

[2] ADCT-CRFB/88, Art. 98. (…) § 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.

 

Fonte: ANADEP

A atuação da Defensoria em favor das pessoas com deficiência

Por Franklyn Roger Alves Silva, Diogo Esteves e Elisa Cruz

Nosso sistema jurídico sempre foi cauteloso com as pessoas com deficiência ao reconhecer, conforme as circunstâncias, a sua incapacidade absoluta ou relativa de modo a evitar que a sua condição de vulnerabilidade pudesse facilitar a prática de atos fraudulentos ou simulados em seu prejuízo.

No Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, foi incorporada à nossa ordem jurídica interna a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova Iorque), lhe sendo atribuído o status de emenda constitucional, diante do permissivo constante do parágrafo 3°, do artigo 5° de nossa Carta.

Seguindo a tendência de modernização das normas processuais e de prestígio da autonomia da vontade das pessoas com necessidades especiais, houve também a edição da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência e algumas modificações pontuais no novo Código de Processo Civil.

Os artigos 114 e 123, II, do Estatuto revogaram os incisos do artigo 3º do Código Civil e alteram seu caput, como também modificaram a redação dos incisos II e III do artigo 4º do código.

Agora, apenas as pessoas com idade inferior a 16 anos são reputadas absolutamente incapazes, sendo consideradas relativamente incapazes as pessoas entre 16 e 18 anos, os pródigos, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Apesar de significar notório avanço, já que as novas normas reforçam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e buscam conferir maior isonomia às pessoas vulneráveis, alguns aspectos materiais e processuais causarão certas dificuldades práticas com a entrada em vigor do estatuto, que ocorreu em janeiro de 2016, na forma de seu artigo 127.

Dentre as inúmeras modificações promovidas pelo estatuto, podemos indicar duas alterações com repercussão direta na atuação institucional da Defensoria Pública. A primeira delas diz respeito ao reconhecimento da ampla legitimação extraordinária da instituição para, em nome próprio, tutelar os interesses das pessoas com deficiência.

Na forma do artigo 79 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, “o poder público deve assegurar o acesso da pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, garantindo, sempre que requeridos, adaptações e recursos de tecnologia assistiva”.

Essa é a mesma linha de proteção estatuída pelo o artigo 4º, incisos X e XI da Lei Complementar 80/1994, entregando à Defensoria Pública a importante função de promover a ampla defesa dos direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência, por causa de sua vulnerabilidade.

A regra contém uma autorização expressa e uma limitação implícita: apenas poderá a Defensoria Pública atuar como legitimado extraordinário na defesa de direito individual alheio “na defesa dos direitos fundamentais” do necessitado; e só poderá atuar quando o titular do direito restar impedido de atuar em nome próprio.

Ações coletivas com o propósito de implementação de medidas assistivas e inclusivas, implementação de políticas públicas e muitas outras providências farão parte das missões institucionais da Defensoria Pública na tutela de interesses das pessoas com deficiência.

Outro aspecto processual a ser analisado consiste na utilidade da interdição regulada pelo novo CPC, diante das normas existentes na Lei 13.146/2015 e a possibilidade de a própria Defensoria Pública instaurar o procedimento de jurisdição voluntária. Essa questão vem sendo muito debatida na doutrina civil, especialmente sob a ótica da manutenção ou não do instituto, já que ele não se confunde com a curatela.

O artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência deixa de prever expressamente a interdição, submetendo a pessoa com deficiência ao regime de curatela, quando necessário, abarcando apenas os atos de caráter negocial e patrimonial. Houve, também, alteração na redação dos artigos 1.768, 1.769, 1.771 e 1.772 do Código Civil, que tiveram a palavra “interdição” substituída por “curatela”.

Na doutrina, há quem aponte a insubsistência da interdição, por causa das inúmeras alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência[1], já que a curatela do novo sistema possui limitações ao seu exercício, sempre em vias de prestigiar a autonomia da pessoa com deficiência.

Seguindo outra vertente, alguns autores têm se posicionado no sentido de reconhecer a subsistência do procedimento da interdição previsto no novo CPC, posição com a qual concordamos[2].

Sabe-se que a interdição é o ato pelo qual o juiz reconhece a incapacidade de uma pessoa e lhe retira, nas hipóteses legalmente previstas, a administração e a livre disposição de seus bens; curatela é “o encargo público, conferido, por lei, a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens dos maiores, que por si não possam fazê-lo”.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência determina em seu artigo 12, que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal para todos os aspectos da vida (item 2), cabendo ao Estado assegurar que essas pessoas não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens (item 5).

Na mesma linha é o artigo 84 da Lei 13.146/2015, que confere à pessoa com deficiência o exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas e a sua submissão à curatela torna-se uma medida de exceção, restrita aos atos de natureza patrimonial e negocial, na forma dos parágrafos 1º e 3º dos artigos 84 e 85 da lei em comento.

A disciplina do procedimento de jurisdição voluntária subsistirá como o instrumento necessário para a nomeação do curador bem como para a avaliação do grau de autonomia da pessoa com deficiência, cabendo ao juiz, dentro das limitações do artigo 85 do estatuto definir a extensão da atuação do curador, além de exercer o controle periódico da curatela, como determina o parágrafo 4º do artigo 85 da Lei 13.146/15.

Paralelamente ao rito da interdição, o artigo 1.783-A do Código Civil introduz um outro procedimento, destinado à nomeação de apoiadores para a tomada de decisão. Trata-se de um processo por meio do qual o deficiente escolhe ao menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

Admitindo-se a sobrevivência da interdição, é importante observarmos o artigo 720 do CPC/2015, especialmente quando aduz que os procedimentos de jurisdição voluntária terão início “por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial”.

A redação dessas disposições gerais relativas ao procedimento de jurisdição voluntária confere à Defensoria Pública, na qualidade de instituição, legitimidade extraordinária para a propositura da ação interditória.

Portanto, a Defensoria Pública ganha mais um reforço normativo para a defesa dos interesses da pessoa com deficiência, seja pela legitimação extraordinária ampla, seja pela possibilidade de requerimento de interdição.

[1] TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte II. Disponível emhttp://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com, acesso em 25/10/2015.
LÔBO, Paulo. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes, acesso em 25/10/2015.
[2] SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte 2). Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas, acesso em 25/10/2015.
STOLZE, Pablo. É o fim da interdição? Disponível emhttp://pablostolze.com.br, acesso em 28/2/2016.

Fonte: ConJur

A Defensoria Pública como expressão e instrumento da democracia no novo Código de Processo Civil

Às vésperas de entrar em vigor (março/2016), o novo Código de Processo Civil vem gerando grande ansiedade (e dores de cabeça) nos operadores do direito. Não poderia ser diferente, já que as mudanças são significativas. São novos princípios e normas que ganham destaque por romperem os paradigmas encrustados no CPC de 1973, primando pela interdisciplinaridade como auxílio à atividade hermenêutica. É o que se chama de constitucionalização do direito processual civil, característica que se denota já no artigo preambular: “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”.

Foram mais de cinco anos de intensos debates e incontáveis audiências públicas, com a participação de juristas de renome, para alcançar um modelo normativo processual que realmente considerasse as diretrizes da Constituição Federal de 1988 e os ideais de racionalidade e objetividade que há muito tempo vinham sendo clamados pela doutrina e jurisprudência.

A incorporação de novos institutos, extinção de outros e a flexibilização de procedimentos judiciais reflete o antigo desejo de otimização do processo e desapego a formalismos exagerados. A própria concepção do cooperativismo processual logo no art. 6º do código concretiza a ideia de necessidade de colaboração entre as partes que integram o processo para a obtenção de uma decisão justa, célere e efetiva. Na verdade, dá luz à noção de policentricidade, ou seja, todos os sujeitos da relação jurídico-processual são igualmente responsáveis para que o processo seja conduzido e finalizado de acordo com os princípios processuais constitucionais.

O novo CPC reservou à Defensoria Pública um título exclusivo, assim como ao Ministério Público e à Advocacia Pública, onde são enumeradas, dentre outros, as finalidades institucionais do órgão, como se vê do texto insculpido no artigo 185: “A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”.

O reconhecimento formal da Defensoria Pública no NCPC é reflexo da importância revelada pelo órgão no cumprimento de sua missão institucional nos últimos anos, fator que implica em evidente fortalecimento como signo de “expressão e instrumento do regime democrático” (art. 1º, Lei Complementar nº 80/94).

Nas palavras do professor Elpídio Donizetti, membro da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo CPC e autor da proposta que inseriu um título específico para a Defensoria Pública, “o enquadramento da Defensoria Pública como garantia fundamental constitucional, incumbida, principalmente, da promoção do acesso à justiça – direito fundamental consubstanciado no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 – levou a instituição a ser considerada pela maioria da doutrina como integrante do núcleo essencial de um Estado Democrático de Direito”.¹

A doutrina admite até mesmo que, em razão do grau de importância, a Defensoria não pode ter suas atribuições restringidas nem mesmo por meio de emenda constitucional, “sob pena de indefensável retrocesso no cumprimento do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.²

A previsão no artigo 7º do NCPC, da paridade de tratamento entre as partes, desdobra do princípio da igualdade processual, assegurando a garantia da prestação jurisdicional sem qualquer discriminação e reduzindo as dificuldades do acesso à justiça. Em essência, traduz os objetivos primários da Defensoria Pública, dispostos na Lei Complementar nº 80/1994, dentre eles a primazia da dignidade da pessoa humana, a afirmação do Estado democrático de Direito, a redução das desigualdades sociais, a prevalência e efetividade dos direitos humanos e a garantia da ampla defesa e do contraditório, princípios aplicáveis também no âmbito processual.

Em prestígio à legislação especial que rege a instituição, restou consagrado na nova norma, mais especificamente no artigo 72, parágrafo único, o exercício da curatela especial da Defensoria Pública nos processos em que forem partes: I) o incapaz que não possuir representante legal ou se os seus interesses colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade e; II) o réu preso revel, bem como o réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado. A intenção da norma processual é proteger não somente os necessitados financeiramente, mas também os juridicamente hipossuficientes.

Destaca-se, também, a previsão no §5º do artigo 95 da vedação da utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública para o pagamento dos honorários periciais em ação judicial. Percebe-se aqui uma clara reafirmação da autonomia administrativa e financeira da defensoria nos moldes do §2º do artigo 134 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Outro ponto que merece especial atenção é o artigo 186 e parágrafos seguintes, que traz a reprodução das prerrogativas da intimação pessoal e da contagem em dobro dos prazos processuais para a Defensoria Pública, conforme já previstas na Lei 1.060/50 e Lei Complementar nº 80/94, observando que a contagem em dobro não prevalece quando há previsão de prazo específico para a instituição – art. 186, §4º. Ressalte-se que a prerrogativa do prazo em dobro passa a ser aplicada também aos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica em convênio com a Defensoria (art. 186, §3º).

O §1º do art. 186 do NCPC dispõe que o prazo iniciar-se-á com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, §1º. Já este último afirma que a intimação pessoal será realizada por meio de carga, remessa ou meio eletrônico. Neste caso parece que o legislador quis que as duas formas – intimação pessoal e eletrônica – se equivalessem (para garantir maior agilidade e eficiência na prestação jurisdicional), em atenção Lei nº 11.419/2006 que trata da comunicação eletrônica dos atos processuais, onde dispõe o art. 4º, §6º: “as intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais”.

Ao inaugurar um título exclusivo para a Defensoria, o novo CPC fez questão de dirimir um imbróglio instalado na doutrina e jurisprudência há algum tempo: quando se inicia a contagem dos prazos para a Defensoria Pública?

Enquanto uns afirmavam que o termo inicial seria a data em que o defensor tomava ciência do ato processual, outros defendiam a tese de que os prazos começariam a correr no momento em que os autos adentravam a instituição. Pois bem, neste aspecto a celeuma foi solucionada.

Quando a intimação for realizada por meio de remessa ou carga, não restam dúvidas de que a contagem dos prazos para interposição de recurso pelo Ministério Público ou Defensoria Pública começa a fluir da data do recebimento dos autos, com vista do respectivo órgão, e não da ciência do seu membro no processo, conforme entendimento já fixado no julgamento do Habeas Corpus nº 126663. Na ocasião, o relator Ministro Gilmar Mendes consignou que, “a despeito da presença do defensor público em audiência, a intimação pessoal da Defensoria somente se concretiza com a entrega dos autos com vista, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa”. Importante destacar que a retirada dos autos do cartório ou da secretaria pelo defensor implicará em intimação de qualquer decisão constante no processo, conforme dispõe o §6º, do art. 272 do NCPC.

Quanto ao termo inicial dos prazos quando se tratar de intimação eletrônica já há previsão legal expressa no sentido de que a intimação se efetiva na data em que o intimando realizar a consulta eletrônica. Como já ocorre no microssistema dos juizados
especiais (PROJUDI), a consulta eletrônica deverá ser feita em até 10 dias corridos contados da data do envio da intimação, considerando-se automaticamente realizada no término deste prazo (art. 5º, §§1º e 3§ da Lei nº 11.419/2006). No entanto, cabe ressaltar que a intimação eletrônica somente será perfectibilizada quando o intimando estiver credenciado em portal próprio do Poder Judiciário (PJE) e em processos que tramitem integralmente na forma eletrônica, caso contrário o ato processual deverá ser praticado de acordo as regras processuais ordinárias. Veremos quais serão as orientações do Conselho Nacional de Justiça em relação a este e a outros pontos que induvidosamente serão objetos de controvérsias na prática forense (o art. 196 do NCPC dispõe expressamente que caberá ao CNJ e, supletivamente, aos tribunais, a regulamentação da prática e a comunicação oficial dos atos.

O parágrafo 2º do artigo 186 reconhece a precariedade estrutural das Defensorias Públicas e demonstra um olhar atento do legislador às dificuldades enfrentadas diariamente pelos defensores, tanto na limitação orçamentária (e consequente déficit de recursos humanos), quanto no excesso de trabalho despejado nos gabinetes dos defensores. O texto legal prevê a prerrogativa do membro da Defensoria Pública de requerer a intimação pessoal do assistido, quando a efetivação do ato processual depender de providência ou informação que somente por ele possa ser realizada ou prestada. A norma, que deverá ser obrigatoriamente observada pelo magistrado, facilitará sobremaneira a atuação dos defensores que sofrem para se comunicar com os assistidos, viabilizando maior amplitude à defesa técnica.

Na hipótese acima, importante levantar uma observação quanto ao termo inicial do prazo para a prática do ato processual. A melhor lógica indica que o prazo começa a correr a partir da intimação pessoal do próprio assistido, posteriormente ao requerimento do defensor público e não da intimação pessoal deste último. Ora, a norma seria vazia se a contagem do prazo iniciasse antes mesmo da intimação da parte, pois ao revés de assegurar o contraditório e a ampla defesa, estaria limitando-os, o que seria inconcebível.

Talvez um dos mais importantes institutos criados pelo NCPC seja o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), baseado no procedimento-modelo do direito alemão (Musterverfahren), que será cabível quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos com controvérsia referente a idêntica questão de direito e risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica. Trata-se de instrumento para erradicar as divergências interpretativas em processos envolvendo causas congêneres. E reconhecendo o papel da Defensoria como instituição essencial a função jurisdicional do Estado, foi que o legislador atribuiu legitimidade ao órgão para a propositura do IRDR (art. 977, III), bem como para fiscalizar o cumprimento dos prazos previstos em lei de modo a garantir o princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 233 e 235).

Outra inovação importantíssima e que será muito utilizada na rotina dos defensores públicos está contida no texto dos artigos 554, §1º e 565, §2º. A primeira disposição trata da obrigatoriedade de intimação da Defensoria Pública nas ações possessórias multitudinárias, ou seja, aquelas compostas de vários demandados e que envolvam pessoas em situação de hipossuficiência, já a segunda refere-se à intimação do órgão nos litígios coletivos pela posse de imóvel proveniente de turbação ou esbulho quando houver parte beneficiária da justiça gratuita. Nos dois casos, percebe-se que a atuação da Defensoria se dá de acordo com o seu perfil institucional e como meio de garantir aos seus assistidos o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa, com recursos e meios a estes inerentes.

Por fim, como previsto no código anterior, o novo diploma processual civil, carregando em sua natureza medidas que estimulam a mediação e autocomposição, valoriza a Defensoria Pública como solucionadora de conflitos ao manter o instrumento de transação referendado pelo órgão defensorial no rol de títulos executivos extrajudiciais (art. 784, inciso IV).

Como se vê, o NCPC atesta a existência da Defensoria Pública, especificando o seu papel dentro do processo civil. Sob a ótica do novo código, a defesa integral dos hipossuficientes somente é possível com o fortalecimento do ente que os representa e a sistematização da sublime função do defensor público. Muito mais que isso, reitera a importância desta instituição para a sociedade em geral, de modo a preservar o acesso à justiça aos necessitados e garantir a aplicação dos princípios constitucionais ao sistema processual.

Autor: Thomas Ubirajara Caldas de Arruda. Advogado. Assistente Jurídico da Defensoria Pública de Segunda Instância de Mato Grosso. Pós-graduando em Direito Civil Contemporâneo pela UFMT.

NOTAS

1 DONIZETTI, Elpídio. A Defensoria Pública e o novo CPC. Disponível em:

http://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/293075746/a-defensoria-publica-e-o-novo-cpc

2 GIUDICELLI, Gustavo Barbosa. A Defensoria Pública Enquanto Garantia

Fundamental Institucional. Releitura do papel da Defensoria Pública no cenário jurídico

brasileiro. Disponível em:

https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/17278/A_Defensoria_P_blica_enquanto_direito_fundamental_institucional.pdf

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNES, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud;

THEODORO JR., Humberto. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

Fonte: ANADEP

Quais são os números da justiça criminal no Brasil?

São pouco consistentes, mas suficientes para afirmar que o encarceramento  em massa não gerou qualquer impacto positivo sobre os indicadores de violência no Brasil.

São 607.731 as pessoas privadas de liberdade no Brasil. O país, em uma década, viu dobrar o contingente e alcançou o quarto lugar no ranking dos países com os maiores números absolutos de pessoas encarceradas, sem que isso tenha tido impacto positivo sobre seus indicadores de violência. É o que revela o último Levantamento de informações penitenciárias – Infopen, publicado pelo Ministério da Justiça em junho de 2015.

Diante desses dados eloquentes e com a missão permanente de cobrar transparência, regularidade e confiabilidade das informações e estatísticas sobre o sistema de justiça criminal, a Rede Justiça Criminal, coletivo de organizações da sociedade civil, lança o Informativo Os números da Justiça Criminal no Brasil.

A publicação é composta por análises que contemplam diversos aspectos do conjunto de informações sobre justiça criminal: abordagens comparadas, artigos tematizando o número de mortes no sistema prisional, a omissão de dados sobre o universo prisional feminino e contribuições de especialistas que, a convite da Rede Justiça Criminal, escreveram sobre a necessidade de transformar a consolidação de informações em prioridade política.

O que os artigos apontam é que o sistema prisional está marcado não apenas por mazelas já conhecidas, mas também pelo déficit na produção e na análise de dados. Os números da Justiça Criminal no Brasil trata, assim, dessa questão fundamental para a dinâmica democrática brasileira e a promoção da transparência, sem a qual não há participação popular ou construção responsável de políticas públicas, inclusive criminais.

Clique aqui e confira na íntegra.

 

Fonte: ANADEP

 

Ver, sentir e pensar a realidade de quem vive nas ruas

Ora invisíveis, ora visíveis, conforme a disposição do observador. Pessoas vivendo na rua e da rua são uma realidade presente nos grandes centros urbanos do nosso país. Fruto da forma como nos organizamos em sociedade – sobretudo em razão do nosso sistema econômico e da ruptura de laços familiares –, estas pessoas estão lá, ocupando os espaços públicos. Trata-se de uma realidade que precisa ser vista, sentida e pensada.

Os moradores de rua formam um grupo complexo, não heterogêneo. São crianças, adolescentes, jovens, idosos, homens, mulheres, deficientes, pessoas com problemas de drogadição ou não, formadas, analfabetas. Enfim, uma diversidade de pessoas com motivos diversos para estarem ali.

Causa repúdio a nota publicada pela Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) no dia 18, em sua página no Facebook, em que, além de solicitar que essas pessoas sejam forçadas a deixar as ruas, pede que sejam colocadas cercas sob as marquises. São supostas soluções para um sério problema social que se revelam inconstitucionais e contrárias aos ditames internacionais de direitos humanos, por violar o direito de ir e vir e o direito à cidade. Configura-se um pleito de caráter “higienista”, uma verdadeira tentativa de promoção de uma espécie de “limpeza social” que não merece ser acolhida nem pela sociedade, nem pelo poder público.

Pessoas em situação de rua são indivíduos detentores dos mesmos direitos civis e políticos que qualquer outro cidadão. Num passado não tão distante, a mendicância era considerada contravenção penal. O dispositivo legal, considerado por muitos especialistas inconstitucional, foi revogado em 2009, mesmo ano em que foi aprovado o Decreto Federal 7.053, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Atualmente, vê-se que a questão, outrora tratada como crime, passa a ser tratada como um problema que demanda políticas públicas de inclusão social. Apesar dos esforços da prefeitura de Curitiba para a criação de equipamentos destinados ao atendimento desta população, sabe-se que faltam vagas em alojamentos e banheiros químicos nas ruas para estas pessoas, assim como faltam guarda-volumes para que elas guardem os poucos bens que possuem.

Existe muita gente trabalhando para a inclusão dessas pessoas. O Movimento Nacional da População em Situação de Rua está organizado em Curitiba, e atua ao lado de várias entidades religiosas e não religiosas – como o Centro de Acolhida São José, o Serviço Franciscano de Solidariedade e o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria) – para a transformação desta realidade.

A responsabilidade direta ou indireta pela sociedade em que vivemos é de todos nós, quando falamos e quando nos calamos diante da realidade. Esperamos que a cidade de Curitiba se revele mais uma vez como modelo, mas agora como um modelo de como lidar com problemas relacionados ao enfrentamento da situação complexa das pessoas que vivem nas suas ruas, avenidas e praças.

Por: Camille Vieira da Costa – defensora pública e coordenadora do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná.

O poeta confirmou: Defensorar é uma arte!

Nossa existência é marcada por algumas conquistas, muitas frustrações, valiosos encontros e dolorosas despedidas. No decorrer da minha graduação, tive o prazer de conhecer um personagem ímpar. Alguns poderiam considerá-lo como exótico, outros como um selvagem da pós-modernidade, seja lá o que isso possa significar. Ricardo Máximo, que é um inconformado por natureza e um militante pela mudança, é um daqueles que tenho orgulho de poder chamar de meu mestre. Nos nossos encontros, que poderiam se realizar nas salas de aula, nos cafés ou nas livrarias, sempre ensinou a importância de não se resignar, de lutar por uma realidade distinta da existente e de que as desigualdades não são naturais.
Após o término do curso de graduação, os novos compromissos me impuseram rotinas, malditas sejam, que me privaram do contato diário com meus amigos; assim, raros foram os encontros com Ricardo. Porém, as lições daquele inconformado eram sempre levadas comigo.

Recentemente, Ricardo Máximo teve a enorme alegria de ver a sua filha aprovada no concurso de ingresso para a carreira de Defensor Público no estado do Rio de Janeiro. Poderia ele comemorar a vitória de sua filha de maneira privada. Todavia, não seria ele se não utilizasse as únicas armas que possui: a pena e o seu raciocínio insurgente. Jamais conversei com ele sobre o ofício do Defensor Público, mas ao ler seus versos, tive a certeza de que, fato, defensorar é uma arte:
Pela Defensoria

“Do Direito há
Uma vertente que
Escapa da
Arrogância fria:
É a Defensoria;
Do Direito
Há um cultor
Que não rebaixa
O humano valor:
É o defensor;
Do Direito há
Um mister
Cujos votos de
Fazer justiça são
Genuínos: é a
Defensoria que
Não trai os
Pequeninos”.

Eduardo Newton é Defensor Público do estado do Rio de Janeiro. Mestre em direitos fundamentais e novos direitos. Foi Defensor Público do estado de São Paulo (2007-2010).

 

Fonte: Combate Racismo Ambiental
Estado: SP

ANADEP

 

Defensoria deve impor o respeito aos direitos de crianças e adolescentes

Talvez venha a chocar, mas é necessária uma afirmação inicial: a Defensoria Pública não é mais apenas o “advogado dos pobres”.

Criada para suprir a impossibilidade de pessoas participarem de processos judiciais por falta de recursos para pagar advogados e as despesas do processo, a Defensoria Pública, nos últimos anos, mas em especial em 2014, ganhou nova forma pelo constituinte ao lhe atribuir a promoção dos direitos humanos por meio da Emenda Constitucional 80/2014. Isso sem contar com as alterações do ano de 2009 na lei orgânica nacional da Defensoria, que já determinava esse mesmo papel.

Essa mudança da Defensoria Pública no caminho de uma instituição humanizada parte da ideia de que, no mundo atual, não apenas os hipossuficientes econômicos (“pobres”) merecem a proteção do Estado. Mais do que isso, entendeu o Estado brasileiro que caberia a ele proporcionar a defesa e a proteção dos direitos a todos os grupos que entendesse como vulneráveis, isto é, pessoas e grupos cujos direitos fossem tão peculiares e sensíveis que justificassem normas diferenciadas de proteção.

A Constituição de 1988 elegeu cinco desses grupos: mulheres, idosos, pessoas com deficiência, índios e crianças e adolescentes, e em favor de todos pode a Defensoria Pública atuar, tanto para a defesa de um direito individual, comum ao dia a dia, como na defesa de direitos pertencentes ao grupo e como se manifestam na sociedade.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro estrutura-se na forma prevista pela Constituição, possuindo órgãos que cuidam especialmente dos direitos de idosos e pessoas com deficiência (Núcleo de Direitos Humanos), da mulher (Núcleo de Violência Doméstica) e de crianças e adolescentes (Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente).

Muito embora não se duvide da possibilidade de a Defensoria agir em favor de mulheres, idosos ou pessoas com deficiência, no campo da infância e juventude não há consenso judicial.

Se por um lado, é inconteste a atuação de Defensores em favor de pais ou outras pessoas em relação a crianças e adolescentes, como ocorre em ações de guarda, adoção etc., quando discutimos a defesa da criança e do adolescente e o resguardo de seus direitos previstos nas leis e na Constituição, a solução é bem diferente.

Como já falado, a Constituição de 1988 atribui à Defensoria o papel de defesa dos direitos humanos, no qual, por certo, inclui-se o direito de crianças e adolescentes, além de conferir a todas as pessoas em território nacional o direito de participar ativamente de processo cujas consequência recaiam sobre si. Também a Convenção de Direitos da Criança, assinada pelo Brasil em 1990, determina a defesa da criança e do adolescente por advogado ou defensor próprio, e o ECA prevê tanto o direito de participação ativa da criança e do adolescente quanto aos seus interesses como coloca a Defensoria ao lado do Poder Judiciário, Ministério Público, Conselho Tutelar, município, estados, União Federal etc. como obrigados a cuidar pelo respeito dos direitos infanto juvenis e a adotar todas as medidas possíveis, judiciais ou não (artigos 86 e 88, V e VI, do ECA).

A partir da lei, somos forçados a concluir que pode o defensor público tornar-se defensor apenas da criança e do adolescente em todo e qualquer processo que ele tenha interesse. Ao fazer isso, caberá ao defensor escutar atentamente à criança ou ao adolescente, fazê-lo entender o que é possível realizar para atender aos seus desejos e expectativas e combater eventuais ilegalidades que venham a ser praticadas.

As possibilidades de trabalho são inúmeras e podem ser encontradas nos mais variados casos com os quais lidamos todos os dias: uma criança que é retirada dos pais porque são pessoas de poucos recursos e levada para outro município ou estado, mas que permanece manifestando seu desejo de ficar com os pais que, apesar dos problemas, a tratavam com carinho e atenção, mas, que, contudo, não tem a chance de ser ouvida pelo juiz. Esse seria um grande exemplo de atuação do defensor pela criança, que iria buscar o direito de essa criança ser ouvida pelo juiz e, quem sabe, retornar à família que ama.

Da mesma forma, deve o defensor tomar todas as medidas jurídicas cabíveis para prevenir a ocorrência de tortura e agressões contra crianças em acolhimento (“abrigadas”), simplesmente porque não se admite no Brasil a violação a integridade psicofísica.

Esses dois exemplos servem apenas para ilustrar as possibilidades de atuação da Defensoria Pública em favor de crianças e adolescentes e que, mais do que estarem de acordo com a lei, é coerente com a visão de que somos todos seres humanos e pessoas dignas de sermos tratadas com respeito. A dignidade e a humanidade é uma característica inerente a todos nós, independentemente da idade, cor, religião, crença ou origem.

Nada justifica que crianças e adolescentes não sejam ouvidas ou não participem de processos judiciais que envolvam elas mesmas. Negar esse direito é, de certa forma, negar que são pessoas iguais a nós.

Isso não significa tratarmos a elas como adultas. O certo é deixarmos para trás o entendimento de que crianças são “pequenos adultos” ou que nada sabem pela sua idade, para considerá-las pessoas que sabem o tanto que a sua idade permite, e que tem a capacidade de entender o mundo ao seu redor e fazer escolhas. Ao reconhecermos essa nova visão, entendemos a situação especial em elas se encontram, o seu progressivo desenvolvimento e as razões porque a Constituição de 1988 determinou a sua integral proteção, nela compreendida o direito de ser ouvida e de ter a independência e autonomia que a idade e capacidade psíquica permitirem.

A proposta atual da Defensoria Pública é exatamente a de cumprir o que está na Constituição e impor o respeito dos direitos de crianças e adolescentes, permitindo-lhes a participação em processos judiciais e o direito de ter seus interesses devidamente protegidos.

 

Elisa Cruz é subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

 

Fonte: Conjur

Autonomia da Defensoria Pública é condição para exercício da cidadania

A trágica conjuntura de desigualdade social e exclusão de minorias perpetua-se no Brasil. Os direitos fundamentais e humanos, extensamente anunciados pela Constituição Federal e pelos Pactos Internacionais, remanescem sem concretização. Esta senda de miséria, desídia e opressão é percorrida por multidões de brasileiros absolutamente marginalizados, desconhecedores de seus direitos.

 

É certo que o constituinte de 1988 preocupou-se com a concretização dos direitos fundamentais. Elegeu o modelo de Estado Democrático de Direito que, na vida digna e na emancipação humana, encontra sua essência. Para a materialização de seus objetivos, a Constituição Federal garantiu o acesso à Justiça.

 

Nesse contexto, destaca-se a atuação da Defensoria Pública como instrumento do regime democrático, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados. Trata-se de instituição essencialmente voltada à emancipação do vulnerável, sem a qual o acesso à justiça e o exercício da cidadania são inexequíveis pela população carente.

 

A adequada estruturação da Defensoria Pública para o desempenho de suas funções constitucionais pressupõe, por certo, a sua autonomia. Uma Defensoria Pública combativa unicamente pode sê-la se salvaguardada de retaliações políticas, se distante da ingerência direta ou indireta dos demais poderes quando do cumprimento de suas funções.

 

Em suas atribuições, a Defensoria Pública possibilita ao necessitado a reivindicação de seus direitos que, o mais das vezes, são confinados no plano retórico. O trabalho da Defensoria constrói-se nos planos individual e coletivo, compreendendo ações para obtenção de vagas em creches, assistência à população em situação de rua, defesa do direito à moradia, obtenção de medicamentos e tratamento médico perante o Poder Público, atuação em violência doméstica, combate à discriminação de grupos vulneráveis, garantia de acessibilidade às pessoas com deficiência, defesa do idoso, atuação em casos de família, desabrigamento de crianças, defesa criminal, etc..

 

Não obstante a essa atuação judicial, a concretização de direitos fundamentais também envolve a atuação extrajudicial e a educação em direitos pela Defensoria Pública, primando pela prevenção de conflitos e conscientização de direitos e deveres para o exercício da cidadania. Essas frentes são materializadas por palestras, cursos populares, conciliações e atendimentos multidisciplinares.

 

Por tantas vezes, a atuação da Defensoria Pública é construída contra o próprio Estado. Dessa forma, se não couber à própria instituição a decisão de escolha das prioridades e estruturas que oportunizem a melhor prestação do serviço, encontrar-se-á apequenada pelo próprio Estado.

 

Não por outras razões, a própria Organização dos Estados Americanos, por meio das resoluções AG/RES. 2656 (XLI-O/11), AG/RES. 2714 (XLII-O/12) AG/RES. 2801 (XLIII-O/13) e AG/RES. 2821 (XLIV-O/14) recomenda a adoção da autonomia administrativa, funcional e financeira das Defensorias Públicas, a fim de garantir a prestação de um serviço público eficiente e livre de ingerências.

 

Portanto, a autonomia da Defensoria Pública é a condição para o exercício da cidadania real, e não meramente simbólica. A supressão da autonomia das Defensorias Públicas equivale ao aviltamento dos direitos dos vulneráveis e das maiorias sem voz.

 

Leonardo Scofano Damasceno Peixoto é defensor público do Estado de São Paulo, doutorando e mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP.

Carlos Eduardo de Moraes Domingos é defensor público do Estado de São Paulo, mestrando em Direito Processual pela USP.

 

Fonte: ANADEP/ConJur

POR QUE A DEFENSORIA PÚBLICA AINDA NÃO ALCANÇOU TODA A POPULAÇÃO DO PIAUÍ?

Por João Batista Lago.

Presidente da Associação Piauiense dos Defensores Públicos

 

O último trimestre de cada ano é sempre marcado por uma terrível angústia para a Defensoria Pública do Piauí: a discussão da proposta orçamentária enviada pelo Governador do Estado para a Assembléia Legislativa. O projeto de lei que “estima a receita e fixa a despesa para o exercício financeiro de 2016” foi lido na ALEPI em 29 de outubro de 2015.

Contudo, a verdade é que o referido período não deveria ser de tamanha consternação, não fosse o considerável grau de miopia constitucional que assola nossos governantes, que acabam dando de ombros para preceitos constitucionais dotados de elevada força normativa, banalizando a nobilíssima missão defensorial, tão premente em um Estado como o Piauí, que se encontra entre os piores no tocante a índices de desenvolvimento humano.

O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Poder Executivo fixa para a Defensoria Pública em 2016 na fonte dos recursos oriundos do tesouro a despesa de R$ 69.322.875,00, incorporando um crescimento meramente simbólico de 3,75% se comparado com o orçamento de 2015 e, por conseguinte, neutralizando o compromisso constitucional com o acesso amplo e efetivo à justiça inclusive para os pobres. Paradoxalmente, para o orçamento da Governadoria do Estado, órgão situado apenas na capital, se propõe um crescimento de 65%, atingindo o montante de R$ 87.020.794,00.

Apenas para traçar um paralelo, ao Ministério Público, função igualmente essencial à justiça e com perfil similar ao da Defensoria Pública, se destinou R$ 171.918.680,00, numerário que na avaliação do Parquet é insuficiente para o cumprimento de sua valorosa missão em 2016. Que dizer do orçamento previsto para a Defensoria?

Já é hora de os mandatários políticos do Piauí compreenderem que a Defensoria Pública é instituição permanente e essencial à justiça, dotada de elevada capilaridade e incumbida de promover direitos humanos e outras funções imprescindíveis para o equilíbrio de uma sociedade que se proponha a ser minimamente justa sob o ponto de vista social, econômico e cultural.

Os números realçam a importância do trabalho desenvolvido pelos Defensores Públicos no Piauí. Apenas no 1º semestre de 2015 foram quase 70.000 atendimentos. Ingressou-se praticamente com 6.500 ações judiciais, o que certamente transforma a Defensoria Pública no órgão que mais se preocupa com o “direito a ter direitos” no Piauí.

Nesses números estão pessoas que dependiam do acesso à justiça para obter coisas tão simples quanto inalcançáveis não fosse a Defensoria Pública, como registrar o óbito de um parente morto há anos, mas que por puro desconhecimento não se dirigiram no prazo legal a um cartório para providenciar a lavratura do documento; ou cidadãos que engasgados com o pranto desesperado buscam tutela judicial para conseguir vaga em UTI em favor do ente querido que se encontra entre a vida e a morte. Foram mais de 40 ações ajuizadas com esse intuito no plantão da Defensoria Pública apenas nos seis primeiros meses deste ano.

Incumbe à DPE/PI a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. Exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor. Atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência. Enfim, há todo um plexo de atribuições inerentes ao Defensor Público que densifica a imperiosa necessidade de universalizar seus serviços.

Mas nem só de demandas judiciais vive a Defensoria Pública, que é, sobretudo, uma instância de resolução pacífica de contendas e de desjudicialização. Aliás, deve o Defensor Público promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos conflitos. Entre janeiro e junho de 2015 a Instituição efetuou quase 3000 composições extrajudiciais de litígios. O que isto significa? Que pelo menos 6000 pessoas (só no 1º semestre) resolveram suas divergências de maneira rápida, efetiva e desburocratizada, sem precisar ir ao Judiciário e aguardar anos a fio por uma decisão que muitas vezes não satisfaz a nenhum dos litigantes. Estes números tendem a subir com a inauguração, em breve, do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania.

A Defensoria Pública também se ocupa da missão de promover educação em direitos, visando prevenir conflitos e fomentar a cidadania, numa compreensão que vai além da mera informação sobre direitos, mas também sobre deveres e conscientização das pessoas sobre as relações de poder vigentes na sociedade. Foram mais de 50 palestras promovidas por Defensores Públicos só este ano.

Apesar de tudo isso somente 24 das 93 comarcas do interior do Estado do Piauí dispõem dos serviços da Defensoria Pública, o que significa que outras 69 continuam abandonadas pelo poder público, que lhes negligencia os serviços deste órgão, porta larga de ingresso ao mais básico dos direitos humanos, que é o acesso à justiça, na expressão de Mauro Cappelletti.

O argumento da crise econômica que assola o país não é justificativa para se fazer vistas grossas ao disposto no art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal que estabeleceu um prazo máximo de 8 anos para que os Estados passem a contar com Defensores Públicos em todas as unidades jurisdicionais. Em tempos de recessão econômica e aumento do desemprego a população de baixa renda é a que mais sofre, cabendo à Defensoria Pública a nobre e desafiadora missão de ser a porta-voz dos reclames dessa camada que a despeito de ser a maior é a mais negligenciada pelo poder público.

Portanto, fazendo ecoar as palavras do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, convicto de que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo poder público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão é que a sociedade clama por um orçamento que lhe seja compatível com um crescimento que permita a universalização dos seus serviços por todo o território do Piauí.