O Imperador Pedro II em viagem ao Ceará comoveu-se com o drama dos flagelados da seca e fez a promessa de que venderia até a última joia da Coroa Imperial se fosse necessário, mas livraria o povo daquele drama. Fez açude e algumas obras para melhorar a vida do sertanejo. Muito tempo depois, na campanha da reeleição, o Presidente Fernando Henrique observou em debate na OAB que Brasília tinha muitos palácios para a Justiça e não se investia em Defensoria Pública.
Após vários anos dessas duas manifestações, sabemos que a Coroa Imperial não perdeu uma única de suas 639 pedras preciosas e 77 pérolas e que foram erguidos vários novos palácios para o Judiciário no “Setor de Tribunais” do DF. Enquanto isso o Brasil ainda ostenta níveis degradantes de exclusão social.
Alterou-se a geografia e manteve-se a história. Construíram-se palácios e as jóias ficaram intocadas, enquanto o povo continua pobre.
A República brasileira tem como um de seus fundamentos a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III). Este é um princípio norteador de toda a atividade política da Nação. Temos assim que isso é uma questão de Estado. O Estado Brasileiro não pode atuar sem ter em vista essa premissa. Quem no-lo diz é a Constituição.
A Defensoria é instituição fundamental nessa perspectiva. Ela é o instrumento de garantia de eficácia de todos os direitos sociais prometidos na Constituição. Ela assegura o Direito aos Direitos. Ela é a garantia libertária dos empobrecidos. Ela produz benefícios, distanciada da demagogia e do assistencialismo, ressaltando o caráter republicano de sua ação, sendo assim construtora da cidadania.
O Parlamento legislou (PLP 114/2012) estabelecendo a dotação orçamentária para a Defensoria Pública. Buscava-se assegurar condições reais de atuação efetiva. Com tramitação nas duas casas, teve passagens por diferentes comissões temáticas onde foram discutidas as diferentes variáveis e consequências da Lei. Em tudo, a participação efetiva do Governo Federal que emitiu notas técnicas do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda aprovando a proposta.
Com responsabilidade, o Projeto previa uma implantação escalonada, de molde a se evitar traumas na gestão econômica. Para se ter uma idéia, ocorreria paulatinamente ao longo de cinco anos. Seria uma implantação “lenta e gradual”, quase tão lenta como a que os militares planejavam para a abertura política.
Garantia-se que a capacidade operacional das finanças estaduais ficava incólume, ao tempo em que se cumpria a decisão política decorrente dos próprios fundamentos da Carta da República.
O Projeto de Lei, por sua finalidade e pelos cuidados com as finanças públicas, mereceu o reconhecimento integral do Parlamento, com o apoio de todos os partidos, vindo a ser aprovado por unanimidade, sendo remetido à sanção Presidencial.
Surge então a voz de Secretários de Fazenda dos Estados e aponta riscos às Fazendas estaduais. Anunciando o caos, solicitam o veto ao texto legal.
Qual crise? Durante toda a tramitação do projeto nenhuma voz acusou consequências desastrosas decorrentes do mesmo. Será que nenhum congressista tem lealdade ao seu Estado? Será que todos se mancomunaram para empurrar uma calamidade econômica às suas bases? Por que nenhum Governo Estadual mobilizou sua representação para apontar os riscos que somente agora perceberam?
Vê-se que se deixou o Congresso trabalhar até o final, sem nenhuma ação, e após isso foi se pedir o veto. É fazer pouco caso da ação do Parlamento.
Para desagradável surpresa de todos, inclusive pelo compromisso histórico do Governo com a causa da Defensoria, ocorreu o veto.
O grande equívoco político que se constitui esse veto foi logo percebido e denunciado pela OAB, que, na pessoa de seu Presidente, Ophir Cavalcante Jr., condenou a medida.
Os Governadores têm responsabilidade com os Estados que administram. Se estão diante de uma crise, é seu dever enfrentá-la e manifestar a sua preocupação.
Nesse caso, os Governadores nem mesmo se dignaram a se reunir e participar à Presidência da República os riscos da medida ou os erros do Projeto. Não se registra qualquer pronunciamento de qualquer Governador reclamando da Lei. A manifestação que se tem (e de última hora) é de Secretários de Fazenda.
Em suma, os auxiliares dos executivos estaduais é que recomendam o veto a uma Lei unanimemente aprovada no Parlamento.
É o desmanche institucional. Os auxiliares de um Poder Estadual manifestam seu desagrado com o texto de Lei aprovada por unanimidade no Congresso Nacional… e o que prevalece é a essa manifestação.
Dia desses o Senador Cristóvam Buarque, em artigo, receava o risco de o Parlamento se tornar inútil. A ação dos Secretários de Fazenda conspira nesse sentido. Tivessem eles respeito à Nação e ao Parlamento, ali teriam comparecido e, na arena política, travado o debate das idéias e demonstrado os eventuais danos da Lei às finanças públicas. Deixaram todos trabalhando inutilmente para ao final chegar-se a uma Lei vetada em sua totalidade.
É isso mesmo, nada na Lei foi aproveitado. Tudo foi desfeito, inclusive o longo trabalho de elaboração e tramitação, para o qual os Secretários, com desdém, fecharam os olhos e viraram as costas. Haverá maior desrespeito ao Parlamento?
No caso desse veto, submeteu-se um princípio do Estado às conveniências de Estados. Quando os princípios cedem às conveniências, algo vai muito mal.
A questão é de Estado e não de Governo, tanto o é que o Parlamento tratou do assunto de modo suprapartidário, atendendo aos comandos fundamentais da Carta Republicana. O veto mais que à Defensoria é à República.
Roberto Freitas Filho – Ex-Presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos
Fonte: Defensor – Roberto Freitas