Da legitimidae da defensoria para a propositura da Ação civil pública

A Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, em seu Art. 21, preconiza que aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Este Codex, por sua vez, no Art. 97, proclama que a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. Mais adiante, no Art. 98, lemos que a execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. Arrematando que a execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

Da interpretação sistemática desses dispositivos citados, extrai-se que rejeitado o modelo de sincretismo processual para a tutela coletiva via ACP, mantida, desse modo, a cisão entre atividade cognitiva e executória, marcada, notadamente, outrossim, pelas expressões “legitimidade para propor” do Art. 5o. da LACP e “a execução de sentença poderão ser promovidas” do Art. 97 do CDC, e desautorizando, assim, ao intérprete, por sua vez, a ilação de que não deverá ser perquirida a manutenção da legitimidade do titular da ACP para a fase segunda de satisfação do julgado – etapa executiva – ao caso concreto.

Na fase satisfativa do julgado, a cada caso em exame, onde plenamente determinado e individuado a figura do exeqüente, para atribuir-se capacidade postulatória à Defensoria Pública, deverá o exegeta examinar se a vítima ou seus sucessores, outrora substituídos processuais, preenchem os requisitos insculpidos na letra do Inciso LXXIV da CF/88 em combinação com o disposto no caput do Art. 134 do mesmo Diploma Maior, ou seja, se presente a necessária e inafastável mola propulsora da “insuficiência de recursos”.

Em caso negativo, desautorizado estará o Defensor Público, que inclusive poderá até não ser o então “legitimado para a condução do processo” (expressão que prefere NERY) na anterior etapa cognitiva, para inauguração da fase executiva, que, insista-se, ultrapassou incólume as recentes reformas processuais do novel instituto do cumprimento de sentença, não aderindo ao sincretismo processual dos processos individuais cíveis, quiçá para também revelar o dever do Julgador de perscrutar o cabimento da manutenção do substituto processual no momento seguinte à fase de conhecimento. Observe-se que a execução individual da tutela coletiva pode-se dar até mesmo em juízo diverso daquele em que proferida a sentença ultra partes ou erga omnes.

Do contrário, verificada a “insuficiência de recursos” da “vítima ou seus sucessores”, demonstrada na forma eleita pelo Art. 4º. da Lei 1.060/50 no próprio bojo da petição da ação executiva, caberá, sim, à Defensoria Pública o manejo – ou a manutenção da atividade postulatória – , mas, desta feita, não mais como substituto processual ou legitimado para a condução do processo – aqui, na execução individual, já não há mais substituídos – ,mas, deveras, como autêntico procurador da parte, sem nenhum excepcional ornamento processual qualquer, senão aquelas sagradas faculdades dispensadas a todos e quaisquer Advogados públicos ou particulares.

Importando dizer, enfim, que deve merecer a ADI ajuizada acolhimento parcial, mas sem redução de texto, para atribuir à letra do Art. 5º., Inciso II, da LACP, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que a legitimidade da Defensoria Pública para a fase executiva da tutela coletiva outorgada deverá ser verificada em cada caso concreto, considerado sempre o requisito constitucional da insuficiência de recursos da vítima ou de seus sucessores.

 

Fonte: Carlo Eduardo Rios do Amaral